Em um dos primeiros diagnósticos do que hoje conhecemos como “transtorno bipolar de humor”, o psiquiatra francês Jean-Pierre Falret chama essa condição de “folie circulaire”, “loucura circular”. Aos poucos, o termo “loucura” foi suprimido, por ser considerado estigmatizante. Mas talvez a ideia de “círculo” ainda faça sentido para pensar os ciclos de depressão e mania característicos do quadro.
E a circularidade foi preservada na palavra “transtorno”, datada do século 19. Segundo o dicionário Houaiss, “tornus” em latim era o “torno, máquina de tornear marfim, madeira etc.”, além de “forma arredondada, curvatura; movimento circular”, daí o verbo “tornare”, com os sentidos de “tornear, arredondar, volver, revolver nos dedos”. Talvez o transtornado só esteja andando em círculos. Talvez esteja um pouco além do torneado. Preso nos giros frenéticos do torno, virado de cabeça pra baixo, transformou-se em outra coisa.
Em inglês, transtorno é desordem, distúrbio na ordem, “disorder”. Em português, é sinônimo de incômodo, contratempo, desarranjo, transtornação — sua forma mais longa e transtornadora. Às vezes o transtorno é só uma obra na rua ou no hall do prédio, acompanhada da placa “desculpe o transtorno”. Outras é visto como patologia, mas talvez ainda passe para o outro lado, da “normalidade”, como outras qualidades humanas que um dia foram consideradas doenças e hoje são celebradas com orgulho.