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O que megafusões do petróleo dizem sobre transição energética

Negócios fechados pela Exxon Mobil e pela Chevron indicam maior concentração do mercado e revelam aposta de que demanda por combustíveis fósseis vai perdurar

    O mês de outubro de 2023 foi marcado por duas grandes aquisições no mercado de petróleo. As gigantes americanas Exxon Mobil e Chevron — duas das três maiores petroleiras do mundo, em termos de valor de mercado — compraram, respectivamente, as médias Pioneer e Hess.

    Os negócios — que ainda precisam ser finalizados e aprovados por agências reguladoras — abriram discussões sobre os rumos da transição energética. Os acordos bilionários podem indicar que a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis está mais distante do que o esperado por órgãos internacionais.

    Neste texto, o Nexo explica as transações e mostra o que elas podem significar para o mercado global de energia.

    A aquisição da Pioneer pela Exxon Mobil

    A Exxon Mobil, gigante americana do petróleo, anunciou em 11 de outubro um acordo para aquisição da Pioneer, por US$ 59,9 bilhões (R$ 297,9 bilhões, pela cotação de 25 de outubro de 2023).

    É o maior negócio de expansão da empresa desde 1999, quando a Exxon comprou a Mobil. A aquisição da Pioneer deve ser finalizada no início de 2024.

    A Pioneer é uma das empresas com maior presença na região da Bacia do Permiano, no sudoeste dos EUA — especificamente nos estados do Texas e do Novo México. A região é rica em reservas de óleo e gás de xisto, que podem ser obtidos por tecnologias de extração de combustíveis crus de rochas sedimentares, sem necessidade de perfuração do solo como é feito na exploração tradicional de petróleo.

    A aquisição da Hess pela Chevron

    Menos de duas semanas depois do acordo entre Exxon e Pioneer, outra gigante americana do petróleo fechou um grande negócio para expandir suas operações. A Chevron anunciou na segunda-feira (23) a compra da Hess por US$ 53 bilhões (R$ 265,3 bilhões).

    A Hess tem algumas frentes de exploração. Elas incluem o xisto no norte dos EUA, na região do estado da Dakota do Norte; a extração de petróleo no Golfo do México; e a obtenção de gás natural no sudeste asiático.

    Mas o principal negócio da empresa adquirida pela Chevron é a extração de petróleo na costa da Guiana, país da América do Sul. A Hess é uma das maiores operadoras da faixa costeira ao norte do continente, conhecida como Margem Equatorial.

    As primeiras reservas de petróleo da Guiana foram descobertas em 2015, e impulsionaram um boom econômico no país. Além da Hess, outra empresa com forte presença nos campos da região é a Exxon.

    O contexto das aquisições

    Nos EUA, a década de 2010 foi marcada pela expansão do mercado de xisto, com aumento da produtividade. Pequenas e médias empresas ascenderam e se consolidaram em um mercado de produtos fósseis que havia sido dominado até então por algumas poucas corporações gigantes de petróleo.

    Em 2023, a nova onda de aquisições — na qual as compras feitas pela Exxon e pela Chevron se destacam — aponta uma tendência oposta: a concentração do mercado em grandes empresas. De acordo com analistas ouvidos pelos jornais Financial Times e Wall Street Journal, a tendência é que novas aquisições aconteçam até 2024.

    Há alguns motivos para isso. Um deles é a dificuldade das empresas de óleo e gás de encontrarem novos locais para exploração. Ou seja, é mais fácil expandir as atividades comprando outras firmas de porte menor do que abrindo novos pontos de perfuração.

    Outra razão é o fato de que as maiores empresas do setor acumularam períodos de grandes lucros com a explosão do preço do petróleo nos primeiros anos da década de 2020 — em especial após a eclosão da guerra na Ucrânia, em 2022. Isso significa que elas têm dinheiro em caixa para avançar em novos negócios.

    PREÇOS NA DÉCADA

    Preço internacional do barril de petróleo Brent. Queda forte em 2020, depois alta constante seguida de explosão em 2022. Houve queda ligeira entre meados de 2022 e meados de 2023, mas sem voltar ao patamar do fim de 2019. Depois, alta novamente no segundo semestre de 2023.

    Os acordos de outubro de 2023 foram feitos por empresas americanas. O quadro nos EUA contrasta com o da Europa, onde as petroleiras têm investido em maior peso na diversificação de atividades, entrando em mercados de energia renovável como solar e eólica — embora empresas como Shell e BP (ambas do Reino Unido) tenham reduzido suas metas para corte de emissões de gases de efeito estufa.

    O movimento de concentração de mercado nos EUA levou a rumores de uma possível fusão entre Shell e BP, segundo o jornal britânico Financial Times. Mas o mercado europeu enfrenta maiores restrições do poder público, que tem feito maior pressão pela transição energética.

    A aposta em uma transição mais lenta

    As apostas redobradas da Exxon e da Chevron na ampliação da exploração de petróleo acontecem em um contexto no qual a Agência Internacional de Energia — ligada à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — projeta um pico da demanda por combustíveis fósseis em 2030.

    A ideia é que as fontes renováveis ocupem cada vez mais espaço no mercado de energia, substituindo materiais como petróleo, carvão e gás.

    A projeção da agência é vista com ceticismo por parte dos agentes do mercado de petróleo. A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), por exemplo, tem estimativas divergentes, em que a perspectiva é que a demanda continue crescendo ao menos até 2045. Em entrevista ao Financial Times na segunda-feira (23), o CEO da Chevron, Mike Wirth, questionou fortemente o cenário apontado pelo órgão internacional.

    “Não acho que eles [a Agência Internacional de Energia] estejam nem remotamente certos. Você pode construir cenários, mas nós vivemos no mundo real, e precisamos alocar capital para atender as demandas do mundo real”

    Mike Wirth

    CEO da Chevron, em entrevista ao jornal britânico Financial Times em 23 de outubro de 2023

    O argumento de que é a demanda que irá pautar o mercado de petróleo aparece também no discurso de Sultan Al Jaber, representante escolhido pelos Emirados Árabes Unidos para presidir a COP28, conferência do clima das Nações Unidas, que será realizada no país em novembro e dezembro de 2023. Al Jaber, CEO da petroleira Adnoc (Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi), disse ao jornal britânico The Guardian em 7 de outubro: “é o consumidor quem contribui para o aumento das emissões de gás carbônico, não o produtor”.

    A aposta de grandes petroleiras contra a perspectiva de transição energética mais acelerada é alvo de críticas de ambientalistas. O argumento é que um aumento da produção de petróleo irá dificultar ainda mais o cumprimento das metas do Acordo de Paris, de 2015, que visam conter o aumento da temperatura global.

    Alguns ativistas pedem que reguladores antitruste dos EUA barrem os negócios feitos pela Exxon e pela Chevron — algo visto como improvável por analistas do mercado.

    O petróleo no Brasil

    As aquisições das grandes petroleiras americanas dialogam em algumas frentes com o Brasil.

    A primeira delas é o desejo de marcar presença na exploração de petróleo na Margem Equatorial. Em 2023, a Petrobras e diferentes partes do governo Luiz Inácio Lula da Silva vêm pressionando pela liberação da exploração na foz do rio Amazonas, a 60 km da costa do Amapá. O projeto é criticado por ambientalistas e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que apontam riscos ambientais relevantes.

    A negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) em maio não impediu um aumento da pressão pela perfuração. Em entrevista ao Nexo no início de outubro de 2023, Mauricio Tolmasquim, diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, disse que a empresa fará “o que o órgão ambiental decidir”.

    O governo Lula, aliás, também tenta ampliar os recursos dedicados ao petróleo e gás — a maior parte via Petrobras —, como mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo na quarta-feira (25), com base em levantamento do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

    Ao Nexo, Tolmasquim disse que a estatal tem o objetivo de diversificar suas atividades em direção a energias renováveis, mas que o petróleo vai continuar sendo o carro-chefe da empresa. “Ainda durante algum tempo, o petróleo vai ser o que vai permitir à empresa se financiar”, afirmou.

    O diretor da Petrobras também disse que mesmo se a demanda por combustíveis fósseis atingir seu pico em 2030, como projeta a Agência Internacional de Energia, a empresa está “bem colocada para disputar parte dessa demanda”.

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