As queimadas que atingem Manaus colocaram a capital do Amazonas entre as cidades com pior qualidade de ar no mundo em outubro de 2023. Moradores relatam problemas para respirar e dificuldades até de enxergar. A fumaça também levou ao cancelamento de eventos na cidade.
Os efeitos do fogo são agravados por uma seca histórica que atinge a região. A ANA (Agência Nacional de Águas) declarou situação crítica de escassez de água no rio Madeira, a pior a atingir o corpo hídrico em 56 anos. O problema causa danos a cidades banhadas pelo rio Amazonas e por seus afluentes. Embarcações não conseguem navegar por causa do baixo nível da água, comunidades estão isoladas e sem alimento e há prejuízos econômicos.
Neste texto, o Nexo explica qual a dimensão das queimadas na Amazônia, quais são seus impactos para a saúde e como a estiagem de agora pode agravá-los. Mostra ainda os impactos a longo prazo de eventos climáticos extremos como a seca atual e quais medidas podem ser adotadas para minimizar seus efeitos.
O que são as queimadas na Amazônia
A queimada é uma técnica que busca limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens. As áreas que mais queimam na Amazônia são as de limpeza de pasto, de floresta e de desmatamento, onde o fogo é usado para consumir a matéria orgânica deixada pela derrubada de árvores. Quando fica fora de controle, ela se transforma em incêndios.
A Amazônia tem um clima marcado por duas estações bem definidas: uma chuvosa e outra seca, que dura de agosto a novembro. As queimadas no bioma se concentram no período seco, que, por causa da menor umidade relativa do ar, favorece a dispersão do fogo. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que a média de focos de calor na região no mês de setembro, por exemplo, supera os 32 mil.
Estados como Amazonas, Roraima e Amapá registraram número de focos de calor acima das médias locais em setembro de 2023. Acre, Rondônia, Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, por outro lado, tiveram números mais baixos. No Amazonas, um dos lugares mais afetados pela atual seca, quase 7.000 pontos de queimadas foram identificados no último mês.
De que forma elas afetam a saúde
A queima de vegetação, como acontece na Amazônia, tem uma consequência imediata para a atmosfera: a liberação de carbono. Da mesma forma que as árvores podem armazená-lo quando estão em pé, elas podem emiti-lo no momento em que são destruídas pelo fogo. O processo transforma a matéria orgânica da floresta em gases tóxicos, gases de efeito estufa e material particulado inalável, entre outros.
A conversão dessa biomassa tem diversos impactos para a saúde humana, como explica um texto da pesquisadora Ludmila Ratti na plataforma Nexo Políticas Públicas. A fuligem, que é minúscula, entra nas vias respiratórias e as irrita, podendo causar problemas como tosse, bronquite e asma. Parte das pessoas pode ainda sofrer alterações funcionais graves, como perda da função pulmonar.
20 milhões
de pessoas são expostas a ar de má qualidade por até seis meses ao ano na Amazônia e no Centro-Oeste, segundo pesquisa da Unemat (Universidade do Estado do Mato Grosso) publicada em julho
A poluição do ar também provoca sintomas como disfunção cognitiva, irritabilidade, conjuntivite, vermelhidão, alergia na pele e alterações no controle cardíaco, exercido pelo sistema nervoso. Os grupos mais afetados nesses momentos são idosos, gestantes, pessoas com comorbidades e crianças. Os mais novos, aliás, podem ainda ter deficit de atenção e aprendizagem.
Como a seca agrava o problema
A seca colabora para o ressecamento da mucosa das vias aéreas, o que pode agravar problemas de saúde causados pelas queimadas, segundo Valéria Moreira da Silva, professora no curso de enfermagem e doutoranda no programa de Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Unir (Universidade Federal de Rondônia). Alergias, asma, bronquite, dermatites, gripes e resfriados ficam mais comuns. Em consequência, vêm infecções bacterianas como pneumonia, sinusite, otites e laringites.
É difícil medir os impactos da seca atual com precisão, pois os dados de saúde disponíveis levam em conta apenas casos de internações e mortes, desconsiderando quem não busca atendimento. Além disso, as estatísticas sobre o evento de agora são parciais. Ainda assim, é esperado, de acordo com os padrões da estação, que esta estiagem esteja causando esse tipo de problema.
Beatriz Fátima Alves de Oliveira, pesquisadora de saúde pública na Fiocruz Piauí, afirmou que os efeitos da atual seca podem ser ainda mais graves que o comum, dado que se trata de um evento climático extremo. “[A seca atual] foge do que é normal e regular para este período”, disse ao Nexo. “Com isso, os focos de calor ficam ainda mais intensos na região”, o que retroalimenta o problema.
Meteorologistas afirmam que a atual estiagem, que pode se tornar a pior da história da Amazônia, se deve à combinação de dois fatores: o fenômeno climático El Niño e o aquecimento das águas do Oceano Atlântico Norte. Ambos inibem a formação de nuvens e chuvas no Norte do Brasil. Também é provável que a mudança climática esteja contribuindo para o cenário, uma vez que ela torna eventos como esse mais intensos e frequentes.
Outros impactos da estiagem
Oliveira afirmou que, além de problemas associados às queimadas, a seca favorece doenças ligadas à disponibilidade de água, como as gastroenterites. Os sintomas incluem náusea, vômito e dor abdominal. Sem acesso à água potável, as pessoas podem ingerir líquido impróprio para consumo, entrando em contato com os microrganismos que causam as enfermidades.
Para evitar esses problemas, é importante que o poder público adote medidas para o abastecimento da população local, tanto de água quanto de alimentos, segundo ela. Os serviços de saúde também devem estar preparados para atender aos problemas que irão surgir. Além de idosos e crianças, populações indígenas e ribeirinhas estão entre as mais vulneráveis nesse contexto.
Do ponto de vista individual, Silva afirmou que é possível prevenir doenças respiratórias com hidratação e boa alimentação. Idosos devem se atentar ainda mais à ingestão de água. “Nas residências recomenda-se utilizar umidificadores de ambientes, mas, preferencialmente, o uso de uma toalha úmida na janela, cabeceira ou cadeira perto da cama do quarto de dormir”, disse ao Nexo.
“A longo prazo, é preciso pensar em como nos adaptar e mitigar esses efeitos da mudança climática, porque esses eventos tendem a ser mais frequentes e intensos”, disse Oliveira. “Precisamos fazer nossa parte enquanto país. O Brasil contribui para essas emissões [de gases de efeito estufa] a nível global, e a principal fonte delas é o desmatamento.”