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Como vão funcionar os títulos verdes emitidos pelo governo

Ministério da Fazenda apresenta a investidores em Nova York proposta que busca atrair investimentos para projetos sustentáveis no Brasil. Iniciativa faz parte de plano federal de transição ecológica 

    O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou na segunda-feira (18) que o governo federal concluiu em Nova York a primeira apresentação a investidores (roadshow, no jargão de mercado) da emissão dos chamados títulos verdes, que buscam atrair investimentos para projetos no Brasil de energia renovável e produção industrial de baixo carbono.

    É a primeira vez que o governo oferece no mercado financeiro internacional títulos da dívida externa com critérios sustentáveis. A iniciativa faz parte do plano de transição ecológica lançado pelo Ministério da Fazenda em agosto. O plano tem o objetivo de transformar a economia brasileira no contexto do combate à mudança climática.

    Neste texto, o Nexo explica o que são os títulos verdes apresentados pelo governo, como eles vão funcionar e de que forma eles se encaixam no plano de transição ecológica do Ministério da Fazenda. Mostra também quais são os desafios para sua implementação e quais são as contradições das políticas de transição propostas pelo governo.

    O que são os títulos verdes

    Para entender o que são os títulos verdes, é preciso compreender primeiro o que é a dívida pública. Quando um governo, como o do Brasil, gasta mais do que arrecada, ele pega empréstimos por meio dos chamados títulos de dívida, assumindo o compromisso de devolver o dinheiro no futuro e pagar juros ao credor. O acúmulo desses empréstimos forma a dívida pública:

    A dívida é interna quando os títulos são emitidos e pagos em real. Ela também pode ser externa, quando realizada em moeda estrangeira, como o dólar. O Brasil sempre recorreu à ajuda externa para equilibrar suas contas, emitindo títulos que podem ser comprados por bancos estrangeiros, governos de outros países e fundos de investimentos internacionais.

    Os títulos verdes (chamados também de green bonds) propostos agora são de dívida externa. A diferença entre eles e outros títulos do mesmo tipo é que o valor da venda desses papéis será usado exclusivamente para financiar ações sustentáveis, como diz o governo federal. Apenas nos Estados Unidos a previsão é captar até US$ 2 bilhões com eles.

    Haddad disse na segunda (12) em Nova York que a equipe do ministério fez 36 reuniões com 60 fundos de investimento sobre as possibilidades de aplicação de recursos envolvendo sustentabilidade no Brasil. A proposta foi bem recebida, e o governo está preparado para lançar os títulos, segundo ele. A emissão, porém, cabe ao Tesouro Nacional, que deve disponibilizá-los até outubro:

    “Estamos num período de silêncio. depois que você faz o roadshow [apresentação antes de emitir os títulos], não pode anunciar. A não ser quando for para lançar efetivamente os títulos. […] Está com o Tesouro a conveniência de lançar”

    Fernando Haddad

    ministro da Fazenda, em entrevista a jornalistas na segunda-feira (18)

    De que forma o governo deve usá-los

    A emissão de títulos verdes é um dos pilares do novo plano de transição ecológica do governo federal. O plano busca fazer mudanças estruturantes na economia brasileira e promover o desenvolvimento sustentável. Iniciativas como o aumento da produção de energia limpa e criação de um mercado de carbono fazem parte do pacote anunciado.

    A oferta de papéis no exterior deve financiar iniciativas em áreas como infraestrutura verde, bioeconomia e adaptação à mudança do clima. Os setores nos quais o dinheiro captado será investido serão divulgados em relatórios anuais, segundo o governo. Os recursos também podem ir para o Fundo Clima, relançado pelo governo federal neste ano.

    Haddad apresentou os primeiros aspectos do plano de transição ecológica em agosto, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Para o ministro, além de combater a degradação ambiental, o plano busca acelerar o crescimento, distribuir renda e gerar bons empregos. “Trata-se de um novo modelo de país para um novo mundo”, disse.

    O que inspirou a iniciativa

    Outros países usam títulos verdes desde antes do Brasil. Os primeiros foram a Polônia e França, que emitiram seus primeiros papéis para projetos ambientais em 2017, seguidos por lugares como Chile, Uruguai e México. Empresas também emitem títulos sustentáveis privados desde o início da década de 2000.

    Com o aumento da preocupação com a mudança climática, o mercado de títulos públicos verdes cresceu com rapidez. Cerca de US$ 225 milhões foram movimentados em todo o mundo até junho de 2022, segundo um estudo divulgado pelo Bank for International Settlements. O montante é 7,5% do total de emissões verdes até aquele período.

    Maria Netto-Schneider, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, disse ao Nexo que a iniciativa é positiva para o Brasil. “Com essas emissões, nós apresentamos ao mercado o compromisso de que os recursos captados vão ser usados em projetos com impacto socioambiental positivo”, afirmou. “No Chile, a emissão dos títulos verdes foi inclusive mais atrativa do que a de títulos tradicionais.”

    O governo vai ter o desafio, por outro lado, de gerir esses recursos. “Quando fazemos emissões desse tipo, precisamos monitorar o que se faz com o investimento”, disse. Em outros países, uma das preocupações envolve a possibilidade de esses papéis virarem uma ação de greenwashing (lavagem verde), sem impacto ambiental real. “Mas é um desafio bom, porque promove boas práticas de gestão”, segundo Schneider.

    Os desafios e contradições da transição

    Também há desafios em relação ao plano de transição ecológica. Apesar de o governo ter apresentado os primeiros objetivos do pacote, falta detalhamento das ações e de como elas vão ser postas em prática. Diversas iniciativas, como o mercado de carbono, precisam passar por instâncias como o congresso nacional antes de começarem a valer.

    Outra preocupação está em como o plano vai interagir com outras políticas do governo. Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, disse ao Nexo em agosto que a expectativa geral era de que o PAC lançado naquele mês fosse “mais verde”. Com R$ 1,7 trilhão para investimentos, a maior parte até 2026, o programa tem 62% de seus recursos para energia destinados a petróleo e gás, ainda que preveja aumento na capacidade de geração por fontes renováveis.

    Haddad tem demonstrado sintonia com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem está em Nova York para reuniões com empresários, além de acompanhar Lula na Assembleia Geral da ONU. Ainda assim, o ministro deu uma declaração que repercutiu mal entre ambientalistas. Em entrevista no domingo (17), ele disse ser provável que o Brasil necessite explorar petróleo petróleo na bacia da foz do Amazonas, no Amapá:

    “Acredito, por tudo que tenho ouvido dentro do governo, que vai preponderar uma visão cautelosa de que tem [que explorar] mesmo”

    Fernando Haddad

    ministro da Fazenda, em entrevista ao programa Canal Livre, da Band TV, que foi ao ar no domingo (17)

    A exploração de petróleo na região é um dos projetos que mais dividem o atual governo. A área é ambientalmente sensível, e, em maio, o Ibama (instituto brasileiro do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis) negou a licença para a estatal operar na região. Parte do governo tem proposto uma espécie de conciliação para obter a aprovação, enquanto Marina diz que a decisão do órgão foi técnica.

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