O uso de indicadores econômicos, sociais e ambientais são fundamentais para a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Com esses dados, é possível ter um retrato mais preciso da situação a qual se planeja atuar e ser mais efetivo nos resultados.
No entanto, muitas vezes esses dados são desencontrados ou são de difícil tradução para a situação analisada, o que dificulta a tomada de decisão por parte dos órgãos públicos. Uma maneira de contornar esse problema é a adoção da síntese científica.
Neste texto, o Nexo apresenta o conceito e explica como seu uso pode impactar a formulação de políticas públicas.
O conceito de síntese científica
De acordo com o SinBiose (Centro de Síntese de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos) — grupo de estudos criado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) —, a síntese científica é “uma abordagem de pesquisa inter ou transdisciplinar, que integra conhecimentos, métodos e perspectivas científicas diversas, voltada para a análise, sistematização, reorganização ou recontextualização de dados e informações já disponíveis, de forma a produzir conhecimento novo”.
Ou seja, a metodologia utiliza informações já coletadas por outros pesquisadores para, a partir delas, gerar novas informações. Vale ressaltar que o modelo não é uma revisão da literatura científica — prática que resume conhecimentos já produzidos ou propõe um fio condutor para estudos —, mas sim uma forma de utilizar os dados disponíveis para gerar novos questionamentos.
“Ela está sendo muito utilizada na área ambiental atualmente pelas crises que a gente enfrenta. As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, as desigualdades, as injustiças sociais, por exemplo”, disse ao Nexo a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp, Cristiana Seixas. No entanto, segundo a pesquisadora, a síntese científica pode ser também utilizada em outras áreas, principalmente para pesquisas médicas.
No caso dos centros de síntese brasileiros, há uma tendência para que as pesquisas não fiquem restritas ao ambiente acadêmico. A gerente de projetos do SinBiose, Marisa Mamede, explicou ao Nexo o contexto nacional: “As iniciativas brasileiras estão buscando esse direcionamento de uma produção de conhecimento que possa ser útil, usável e usada na tomada de decisão”.
Para o processo de pesquisa e sugestão de tomadas de decisão acontecer, a síntese científica tem a co-atuação de diversos grupos. Ao unir diversos atores sociais — como pesquisadores de diferentes áreas, gestores públicos e organizações da sociedade civil —, com diferentes vivências, a produção de conhecimentos e soluções torna-se mais certeira.
Os centros de síntese no mundo e no Brasil
A prática de pesquisa e agrupamento interdisciplinar é relativamente recente, como mostra uma linha do tempo sobre o tema publicada no Nexo Políticas Públicas: em 1995, foi inaugurado o primeiro centro de síntese do mundo, o NCEAS (sigla em inglês para Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica), na Califórnia, nos EUA.
Com o intuito de “transformar a cultura científica para ser mais aberta, eficiente e colaborativa”, a instituição reúne dados de diversas fontes para gerar soluções em áreas ambientais, como a gestão de recursos naturais.
Ao todo, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, são 15 centros espalhados pelo mundo, mas concentrados principalmente nos EUA e na Europa. No Brasil, são três em atividade: o SinBiose, o Biota Síntese e o SIMAClim (Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas).
Centros no Brasil
SinBiose
Fundado em 2017 pelo CNPq, o SinBiose procura desenvolver cenários, estratégias e soluções a nível nacional para problemas de biodiversidade e serviços ecossistêmicos — benefícios gerados pelos ecossistemas fundamentais para a sociedade, como o fornecimento de produtos para consumo ou comércio, culturais, de manutenção e de perenidade no planeta.
Biota Síntese
O Biota Síntese (Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza), faz parte do Instituto de Estudos Avançados da USP e foi oficialmente lançado, em conjunto com a Fapesp, em maio de 2022. O centro trabalha em conjunto com o governo de São Paulo por meio de soluções baseadas na natureza — sugestões inspiradas ou suportadas pela natureza, com benefícios ambientais, sociais e econômicos. O grupo olha desafios nas áreas de agricultura sustentável, principalmente sobre a polinização; restauração florestal; controle de zoonoses; e prevenção de doenças urbanas, não transmissíveis e mentais.
SIMAClim
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lançou, em fevereiro de 2023, o SIMAClim. Com sede em Recife, o grupo irá produzir informações para subsidiar a tomada de decisões envolvendo a emissão de carbono, mudanças climáticas, energia e sistemas de vigilância e monitoramento.
Os centros de síntese se reúnem periodicamente e a discussão de conhecimentos costuma acontecer a partir de ideias geradas pelas informações já disponíveis, intercaladas por análises e modelagens de dados. “Tanto de dados das ciências naturais, quanto das ciências sociais e econômicas, tentando entender como esse sistema socioecológico complexo funciona. Como ele se adapta, por exemplo, às mudanças climáticas, como são os cenários futuros de perda de biodiversidade, como eles respondem a movimentos de imigração populacional”, disse Seixas da Unicamp.
Ao prezar pela transdisciplinaridade nos grupos, os resultados são mais assertivos para os assuntos pesquisados. Segundo Mamede, do SinBiose, os conhecimentos produzidos de forma sintética “são cinco vezes mais citados do que outros trabalhos da mesma área”.
Qual impacto os centros de síntese já tiveram
Há exemplos de como estudos dos centros de síntese se tornaram subsídio para a formulação de políticas públicas na área socioambiental. O pioneiro Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica, dos EUA, por exemplo, auxiliou em tomadas de decisões envolvendo o declínio das abelhas e na ecologia de doenças infecciosas.
Além disso, o centro americano ajudou, a partir de pesquisas sobre reservas marinhas, a embasar a criação das Áreas Marinhas e Ilhas protegidas do Golfo da Califórnia. A área, criada em 2003, atua para proteger o habitat e os ecossistemas marinhos da região.
No Brasil, o SinBiose lançou, em 2019, o primeiro edital do centro, que selecionou sete projetos de pesquisa (de 68 propostas) que podem gerar embasamento para políticas públicas. Com 24 meses para a pesquisa, reuniões e debates, os assuntos tratados são:
- Gestão de áreas marinhas protegidas e do manejo e uso sustentável dos recursos alimentares e culturais dos recifes
- Integridade ecológica de florestas em regeneração natural
- Avaliação de saúde como serviço ecossistêmico da Amazônia
- Relação entre a biodiversidade e saúde pública no Brasil
- Degradação amazônica
- Serviços ecossistêmicos dos campos e savanas brasileiros
- Identificação de áreas prioritárias para manutenção e restauração de polinização natural
“É uma experiência que parte da área de ecologia, biodiversidade, ciências ambientais, mas que vai para outras disciplinas acadêmicas, para as ciências sociais”, ressalta a diretora de projetos do SinBiose.
A Biota Síntese, em julho de 2022, apresentou um relatório com sete estratégias para embasar o Plano de Ação Climática do Estado de São Paulo. Essas propostas foram voltadas, principalmente, para programas de restauração ecológica, com a previsão de restaurar 1,5 milhão de hectares até 2050.
Quais as limitações da abordagem
Apesar dos avanços dos centros de síntese, as especialistas apontam duas dificuldades na metodologia: a disponibilidade e a harmonização de dados em termos de escala, temporalidade e espacialidade, além da implantação total da transdisciplinaridade.
Em relação aos dados, Seixas diz que há uma grande quantidade de informações brasileiras pouco utilizadas. “A gente tem uma quantidade enorme de dados biológicos, biogeoquímicos, oceanográficos, atmosféricos, sociais, econômicos e culturais que foram produzidos pela nossa ciência, mas ainda não é capaz de usar esses dados da melhor forma possível para informar os tomadores de decisão”.
“Além da gente aprender a forma de trabalhar, envolve também a disponibilidade dos pesquisadores e dos atores não acadêmicos. Para entender, interpretar e contribuir com o conhecimento, é necessário transpor as fronteiras da academia e co-produzir com outros atores”, pontua Mamede.
ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto afirmou que os estudos produzidos por meio da síntese científica eram cinco vezes mais citados do que outros trabalhos que chegaram no mesmo resultado. Na verdade, os estudos de síntese científica são cinco vezes mais citados do que outros trabalhos na mesma área de conhecimento. A informação foi corrigida às 21h18 do dia 4 de março de 2023.