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Como o Bolsa Família pode ajudar a melhorar a vacinação infantil

Imunização será monitorada por meio de programa de transferência de renda que atende crianças em situação de vulnerabilidade

    A carteira de vacinação em dia será uma das condicionantes para que os beneficiários do Bolsa Família consigam ter acesso ao benefício. Matrícula na escola e acompanhamento pré-natal completo de mulheres grávidas são outras obrigatoriedades, disse na segunda-feira (6) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo federal quer melhorar a cobertura vacinal em crianças, em queda nos últimos anos.

    Esses pré-requisitos listados por Lula também estavam elencados no Auxílio Brasil, programa de transferência do governo Jair Bolsonaro (PL), e previstos na lei 10.836/2004 que criou o Bolsa Família. Mas a gestão federal anterior deixou de acompanhar as condicionantes. Ou seja, na prática, elas deixaram de ser obrigatórias.

    Neste texto, o Nexo mostra qual é o cenário da vacinação infantil no Brasil em 2023 e de que forma o benefício de transferência de renda pode contribuir para combater o atraso vacinal.

    O retrocesso no Brasil e no mundo

    O ano de 2022 registrou a maior queda de vacinação infantil no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). De acordo com as entidades, 25 milhões de crianças estavam com a imunização atrasada. A maioria vive em países de média e baixa renda como Índia, Nigéria, Indonésia, Etiópia e Filipinas. O Brasil está entre os 10 países com o maior número de crianças que não receberam as vacinas essenciais.

    O aumento da desinformação sobre os imunizantes e a pandemia de covid-19, que interrompeu serviços e cadeias de suprimentos, são alguns dos motivos apontados pela OMS e pela Unicef para a queda brusca. A coordenadora do Observa Infância, Patricia Boccolini, que também é pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e professora do Unifase (Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto), também credita a queda da vacinação à insegurança alimentar. “É mais importante para a família saber o que vai almoçar do que levar a criança para vacinar”, disse ao Nexo.

    O Brasil era considerado pioneiro em campanhas de vacinação, mas a cobertura vacinal regrediu na última década e o Ministério da Saúde não alcançou as metas mínimas recomendadas de vacinação que, para crianças, devem estar acima de 90%.

    no brasil

    Gráfico em barras coloridas mostra cobertura vacinal no Brasil por tipo de vacina

    A população brasileira tem acesso gratuito no SUS (Sistema Único de Saúde) a todas as vacinas recomendadas pela OMS. São mais de 20 imunizantes indicados para cada faixa etária, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos.

    O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) torna obrigatória a vacinação de crianças quando há determinação das autoridades sanitárias. E os primeiros meses de vida são cruciais para a vacinação: do nascimento aos seis meses de vida, ocorre o ciclo vacinal que inclui proteção contra doenças como poliomielite, meningite, caxumba, rubéola, entre outras.

    Bolsa Família e vacinação

    Para sanar o problema, o governo federal pretende implementar, entre outras medidas, três atreladas ao Bolsa Família, principal programa de transferência de renda que pagará R$ 600 por família e um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos. Segundo levantamento da Fundação Abrinq, 9,1 milhões de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos vivem em situação domiciliar de extrema pobreza no Brasil.

    Na segunda-feira (6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em evento no Rio de Janeiro que, para receber o benefício, a carteira de vacinação das crianças precisará estar em dia. A criança também precisa estar matriculada na escola e as mães beneficiárias devem cumprir o acompanhamento pré-natal (de no mínimo seis consultas).

    “As crianças têm que estar na escola. Se não estiverem na escola, a mãe perde o auxílio. Terceiro, as crianças têm que ser vacinadas. Se não, a mãe perde o benefício”, disse Lula.

    Em janeiro, 21,9 milhões de famílias receberam o Bolsa Família, em um valor médio de R$ 614. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a pasta está trabalhando na reformulação do programa e o adicional para crianças de até 6 anos deve começar a ser pago em março.

    As três condicionantes citadas por Lula também eram obrigatórias no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas o monitoramento dos indicadores ficaram prejudicados na gestão passada. Além das equipes de saúde sobrecarregadas com a pandemia de covid-19 e as escolas sem aulas, o ministério da gestão passada editou portarias que suspendiam as condicionalidades momentaneamente.

    A vigência de outros programas, como o Auxílio Emergencial, também afetaram o acompanhamento, pois famílias deixaram o Bolsa Família para receber a renda emergencial, que não exigia a condicionante.

    Segundo dados obtidos pelo UOL, até o primeiro semestre de 2022, das 8 milhões de crianças de famílias beneficiadas, apenas 3,6 milhões - ou seja, menos da metade - estavam com a vacinação em dia. Fica a cargo dos municípios fiscalizar e informar ao governo federal eventuais descumprimentos.

    O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome Wellington Dias aposta no que chama de retomada na relação entre os municípios e o governo federal para melhorar a fiscalização das condicionantes. A atualização do Cadastro Único é outra medida. No governo Bolsonaro, uma pane em agosto de 2022 afetou o sistema que compila os dados sociais e, mesmo alertado, o governo anterior não resolveu o problema. Por isso, pessoas que não tinham direito ao benefício conseguiram se cadastrar e quem tinha direito não conseguiu o cadastro. No período pré-eleitoral, 4,1 milhões de pessoas foram incluídas no Auxílio Brasil (que agora voltou a se chamar Bolsa Família).

    “Parece moeda de troca exigir a vacinação para receber o benefício. Porém, nesse momento específico, essa condicionante precisa ser retomada. Tivemos anos de Bolsa Família trabalhando assim e funcionava. Infelizmente, essa é a melhor forma de funcionar. O governo pode dar um aviso de alerta, um prazo, antes de o benefício ser suspenso”, sugere Boccolini.

    Para a coordenadora do Observa Infância, embora a condicionante atinja apenas uma parte das crianças brasileiras, crianças em situação de vulnerabilidade devem ser as primeiras a receber vacinas, justamente pela maior dificuldade no acesso ao atendimento de saúde.

    “Temos infraestrutura para vacinar e acompanhar as condicionalidades. Será preciso reorganizar, o que não é algo demorado. O que será demorado é a retomada dos índices em mais de 90%”, disse ao Nexo.

    O que mais o governo quer fazer

    O Ministério da Saúde divulgou no dia 31 de janeiro o cronograma do Programa Nacional de Vacinação 2023. Segundo o calendário, em março deve ocorrer a intensificação da vacinação contra a covid-19 em crianças e adolescentes, que seguiu em ritmo lento em 2022.

    Para maio, o Ministério da Saúde fará multivacinação de poliomielite e sarampo nas escolas – uma das principais estratégias, informou a pasta ao Nexo, que será elaborada junto com Ministério da Educação, estados e municípios. A cobertura vacinal das duas doenças hoje é de 72,05% e 64,33%, bem longe da meta do ministério, acima de 90%.

    Até meados da década de 1980, a poliomielite causava paralisia em quase 100 crianças por dia no mundo, segundo a OMS. No Brasil, entre 1968 e 1989, foram 27 mil casos. Um esforço focado na vacinação deu ao continente americano, em 1994, certificado de eliminação da doença.

    O Ministério da Saúde também convidou a apresentadora Xuxa Meneghel para ser a embaixadora da vacinação no Brasil. A escolha de Xuxa foi criticada por opositores do governo, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI). “Um governo voltado para o passado chama ídolos do passado. Coerente”, escreveu Nogueira em suas redes sociais.

    “A escolha da Xuxa é importante para mexer com o imaginário dos pais e das crianças, achei uma escolha muito boa. Mas o problema da baixa cobertura vacinal é complexo e vai necessitar de sinergia entre vários ministérios”, falou Patricia Boccolini ao Nexo.

    A coordenadora do Observa Infância pontua ainda que será necessário retomar questões simbólicas, como políticos e autoridades se vacinando publicamente, intensificar a busca ativa de crianças que não se vacinaram, criar mecanismos públicos de combate à desinformação sobre vacinas e melhorar o acesso aos postos de saúde, ampliando horários ou abrindo aos sábados pela manhã, por exemplo.

    Segundo ela, a comunicação sobre vacinas precisa ser constante e não ficar restrita aos momentos de campanhas para imunizantes específicos. “O lembrete precisa estar no trabalho, no ônibus, nas escolas, com campanhas direcionadas aos pais e responsáveis.”

    A especialista lembra que, como não vemos mais crianças com sequelas de pólio ou meningite, o que assustava os pais em décadas passadas, perdura a falsa sensação de que as doenças não podem nos atingir. Porém, quando ocorrem surtos como o de meningite em São Paulo, em setembro de 2022, as pessoas buscam os imunizantes. “Isso indica que o brasileiro acredita em vacina”, disse Boccolini. “Mas a baixa cobertura vacinal hoje é algo que não se resolve com uma canetada. Será preciso mutirões e muita conscientização”, falou Boccolini ao Nexo.

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