Procuradores que atuam junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) pediram na segunda-feira (11) que a corte passe a monitorar todas as obras de pavimentação realizadas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). A iniciativa ocorre após reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo levantarem suspeitas sobre contratos firmados com a empreiteira Engefort.
A Codevasf é uma estatal ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional que vem ampliando sua área de atuação desde o governo Michel Temer e obteve um salto ainda maior no governo Jair Bolsonaro. O dinheiro público que passa por ela chega também via emendas parlamentares. Atualmente, quem controla a companhia é o centrão, grupo de deputados com histórico de fisiologismo que dá apoio político ao presidente.
Neste texto, o Nexo explica a atuação da Codevasf, mostra o modelo licitatório adotado pela estatal a partir de 2021 e resgata as suspeitas em torno dos contratos da companhia.
A ampliação da atuação da Codevasf
Instituída em 1974 pela Lei 6.088, no governo do general Ernesto Geisel, a Codevasf tinha como foco promover o desenvolvimento da região da bacia do Rio São Francisco utilizando recursos hídricos, com ênfase na irrigação e abastecimento de água, e também realizando outras pequenas obras de infraestrutura. Sua área de atuação abrangia o Vale do Rio São Francisco, em Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal.
Ao longo dos anos, a Codevasf ampliou seu escopo por meio de leis assinadas por vários presidentes. Em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, a estatal incluiu a área da Bacia do Rio Parnaíba no Piauí e Maranhão. Em 2017, no governo Michel Temer, a área de atuação foi estendida para outros municípios do estado de Alagoas que não estavam no Vale do Rio São Francisco.
Em 2020, Bolsonaro sancionou uma nova lei que aumentou a área de atuação da companhia para 15 estados, o que contempla 36% do território nacional. A medida permitiu a atuação da Codevasf em todo o Nordeste, em mais áreas de Minas Gerais e também no Amapá, na região Norte do país.
240%
foi o percentual de aumento de licitações na Codevasf relacionadas à pavimentação entre 2020 e 2021
Em 2021, a Codevasf recebeu R$ 3 bilhões dos cofres públicos por meio de emendas parlamentares, quase a metade dos R$ 7,3 bilhões que entraram em caixa. A estatal não comprovou o valor das obras que executou, de acordo com relatório da auditoria Russell Belford, obtido pelo jornal Folha de S.Paulo.
A mudança na escolha de empreiteiras
O TCU, órgão que fiscaliza as contas públicas e auxilia o Congresso Nacional a acompanhar a execução orçamentária, aprovou em maio de 2021, a pedido do governo, uma mudança na maneira por meio da qual as empreiteiras são contratadas pelo Codevasf.
A decisão do TCU versou especificamente sobre as obras de pavimentação de vias da área de atuação da companhia. O aval foi dado mesmo com alerta da área técnica do órgão, e também da CGU (Controladoria-Geral da União), de que o mecanismo poderia abrir margem para corrupção, serviços de má-qualidade e superfaturamento.
Mudança
Como era
As licitações eram realizadas dentro de uma lógica clássica, com concorrências voltadas a projetos específicos de pavimentação. Com isso, a cotação de preços das empresas concorrentes levava em conta uma situação real.
Como ficou
As licitações são feitas por um modelo de pregão eletrônico em que empreiteiras fecham contratos guarda-chuva, sem especificação de onde a obra deve ser realizada. Quando necessário, a estatal aciona a empreiteira, que realiza a pavimentação.
Por meio do novo modelo, uma empreiteira se destacou. A Engefort conquistou a maioria das concorrências de pavimentação da Codevasf – 53 das 99 abertas pela companhia em 2021 –, com contratos que somam R$ 620 milhões. Em alguns pregões, a Engefort concorreu com a Del Construtora Ltda., uma empresa de fachada cujo sócio é de um dos irmãos dos donos da Engefort.
A estatal nega que tenha afrouxado os controles. Afirma que a modalidade pregão eletrônico, com contrato guarda-chuva, em que há um sistema geral de registro de preços, promove “economia” e “celeridade” no atendimento às demandas.
Quem manda na Codevasf sob Bolsonaro
Assim como fez com outras áreas do governo, Bolsonaro destinou cargos-chave da Codevasf ao centrão. O presidente da estatal, Marcelo Andrade Moreira Filho, foi um nome indicado por integrantes desse grupo de parlamentares que dá sustentação ao governo. A indicação foi feita ainda em 2019, no primeiro ano de mandato de Bolsonaro.
Como o modelo de gestão da Codevasf conta com gestores regionais, isso amplia a possibilidade de indicações políticas nas superintendências. Em Alagoas, o superintendente é João José Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Eleito por três vezes prefeito de Teotônio Vilela, no sudoeste alagoano, Joãozinho, como é conhecido, é considerado peça-chave na distribuição de emendas do relator, sistema de destinação de recursos que ficou conhecido como “orçamento secreto”.
Por ser vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, o titular da pasta também participa das decisões da estatal. Até março, o ministério era comandado por Rogério Marinho, pré-candidato pelo PL ao Senado pelo Rio Grande do Norte.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Marinho, junto com o presidente da Codevasf e com o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) fez reuniões sem registro em atas com representantes da Engefort. A estatal, em resposta ao jornal, disse que os encontros tratavam de “temas de interesse institucional”.
A empreiteira não se pronunciou sobre o caso. Em nota, a Codevasf informou que os pregões eletrônicos são abertos “à livre participação de empresas de todo o país”, que as contratações seguem a legislação e que “possui controle integral” de todas as suas obras. Bolsonaro afirma que “não existe corrupção” em seu governo.