A Rússia iniciou na quinta-feira (24) um ataque à Ucrânia ao bombardear e invadir com tropas o país vizinho, num ato que eleva a sensação de insegurança no mundo a um de seus níveis mais altos desde o fim da Guerra Fria, em 1991.
O avanço de Putin sobre a Ucrânia não foi repentino. Ele ocorreu de forma planejada e escalonada ao longo dos últimos oito anos – teve início em 2014, quando a Rússia tomou para si o território ucraniano da Crimeia, e seguiu em 2022, com o apoio declarado de Moscou a um grupo de rebeldes separatistas ligados ao Kremlin. Esse grupo age em Donetsk e Luhansk, na região do Donbass, na fronteira entre os dois países.
Neste texto o Nexo refaz a cronologia das ambições russas sobre a Ucrânia a partir de cinco mapas que cobrem a evolução cronológica dos fatos desde o fim da União Soviética até o conflito atual.
A Rússia e a Ucrânia pós-URSS

Rússia e Ucrânia ganharam os contornos atuais em 1991, ano em que a União Soviética ruiu e as 15 repúblicas socialistas que a compunham se tornaram países independentes.
A Rússia ficou como a grande herdeira do espólio soviético, incluindo o arsenal nuclear. A Ucrânia se tornou o segundo maior país da Europa, atrás apenas da própria Rússia, mas seu poder é incomparavelmente menor que o dos russos.
Na divisão, a Rússia manteve para si a posse de um minúsculo enclave na península da Crimeia, chamado Sebastopol, onde estava estacionada uma frota que projetava o poderio soviético – e atualmente o poderio naval russo – sobre o Mar Negro.
O avanço da Otan no Leste Europeu

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as potências europeias, assim como os EUA e a URSS, tinham um inimigo em comum: as potências do Eixo, que eram Alemanha, Itália e Japão. Mas o fato de terem inimigos em comum não tornou esses países aliados incondicionais entre si.
Terminada a Segunda Guerra, em 1945, os EUA e as potências europeias ficaram com a parte ocidental da Europa, enquanto a URSS ficou com a parte oriental. O símbolo dessa divisão foi o Muro de Berlim, que partiu ao meio a capital da Alemanha, que tinha sido tirada das mãos dos nazistas.
Para consolidar militarmente essa união no campo ocidental, os EUA e as potências europeias criaram um grupo chamado Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A URSS e os países do Leste Europeu criaram, do lado contrário, o Pacto de Varsóvia. As duas organizações eram rivais entre si.
Com o colapso da URSS, em 1991, o Pacto de Varsóvia se desintegrou, mas a Otan seguiu existindo e incorporou, nos anos 1990, países do leste que antes estavam coligados com os soviéticos, entre os quais República Tcheca, Hungria, Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia. Esse movimento de expansão da Otan em direção ao leste da Europa é considerado hostil por Moscou.
A anexação da Crimeia pela Rússia

Em 2013, a Ucrânia buscava uma aproximação crescente com o lado ocidental da Europa, distanciando-se da antiga influência de Moscou. No limite, havia em parte da sociedade ucraniana uma expectativa, nunca concretizada, de adesão à União Europeia e à Otan. O presidente ucraniano à época, Viktor Yanukovich, recuou de assinar acordos que iam nessa direção, dizendo-se pressionado pelo Kremlin.
Milhares de ucranianos saíram às ruas da capital, Kiev, para defender a aproximação do país com a Europa. Yanukovich renunciou. No leste do país, cresceu um movimento que defendia a separação da Ucrânia e a anexação de duas regiões ucranianas por parte da Rússia: a Crimeia e uma parte do Donbass.
Putin apoiou enviou tropas para a Crimeia em fevereiro de 2014 e, no mês seguinte, realizou um referendo no qual 97% da população local votou pela separação da Ucrânia e pela anexação à Rússia. O resultado nunca foi reconhecido pela própria Ucrânia nem pelas Nações Unidas, mas serviu de pretexto para que Putin tomasse essa porção do território do país vizinho para si.
O avanço russo sobre o Donbass

Ao mesmo tempo em que anexou a Crimeia, em 2014, Putin passou a municiar grupos rebeldes que agiam em uma região da fronteira da Ucrânia com a Rússia chamada Donbass. Dentro dessa região do Donbass há duas localidades, Donetsk e Luhansk, que foram parcialmente tomadas por separatistas que defendem a anexação à Rússia.
O governo da Ucrânia não aceitou a declaração de independência feita pelos rebeldes de Donetsk e Luhansk, e enviou tropas para combatê-los ao longo dos últimos anos. O governo Putin deu passaporte russo para 800 mil pessoas que vivem nessa área em disputa e aumentou o respaldo aos grupos separatistas locais.
Em novembro de 2021, Putin estacionou mais de 100 mil militares na fronteira com a Ucrânia. Em fevereiro de 2022, ele moveu um número semelhante de tropas para a aliada Belarus, que também faz fronteira com a Ucrânia. O movimento foi visto como o prenúncio de uma invasão.
Na segunda-feira (21), Putin fez um pronunciamento na TV no qual reconheceu a declaração de independência de Donetsk e Luhansk. O argumento é de que pessoas de origem russa estavam sofrendo violações de direitos humanos por parte de forças do governo ucraniano na região. Neste instante, ele falou abertamente sobre o envio de tropas russas à região. Putin disse que seriam “tropas de paz”. O secretário-geral da ONU disse que não: aquilo seria uma invasão.
Os bombardeios e a invasão da Ucrânia

Os oito anos de assédio da Rússia contra a integridade territorial da Ucrânia culminaram na quinta-feira (24) com o início de uma invasão com bombardeios feitos por via aérea e com fogo de artilharia, além de incursão terrestre, com cavalaria (tanques e outros veículos blindados) e infantaria (tropas) russas sobre solo ucraniano.
A invasão ordenada por Putin não ficou restrita às áreas em disputa, na região do Donbass. Ela chegou a todo o território ucraniano, incluindo a capital, Kiev, e as maiores cidades do país. Portos e aeroportos foram destruídos e a infraestrutura vital para a população civil – rodovias, pontes, telecomunicações, sistemas de água e luz – foi danificada.
No sul, nas localidades de Odessa e Kerson, houve desembarque de tropas anfíbias (transportadas por meios navais). No leste do país, o Exército ucraniano entrou em combate com tropas russas que cruzaram a fronteira.
Depois de iniciada a invasão russa, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, anunciou que qualquer ação militar contra um dos 30 países-membros do grupo receberá uma resposta unificada de toda a Aliança (a Ucrânia não é parte da Otan) – numa declaração que traçou uma linha a partir da qual a Otan consideraria uma resposta militar. Em relação à Ucrânia, todos os países do grupo manifestaram solidariedade, restrita em todo caso ao envio de dinheiro e tecnologia militar, além da aplicação de sanções econômicas a Moscou.
Putin havia dito que qualquer país que se colocasse entre a Rússia e os interesses em jogo na Ucrânia sofreria retaliações como nunca visto antes na história.
Colaboraram Lucas Gomes, Gabriel Zanlorenssi e Nicholas Pretto