O primeiro caso da variante delta do novo coronavírus na cidade de São Paulo foi identificado na segunda-feira (5). A prefeitura da maior cidade do país afirma que há indícios de transmissão comunitária da nova cepa, detectada pela primeira vez no país no fim de maio de 2021, no Maranhão.
O caso de São Paulo se soma a outros 11 da da variante delta identificados no país até 26 de junho, segundo boletim mais recente do Ministério da Saúde. Na terça-feira (6), o estado do Rio registrou dois outros casos. O avanço da delta preocupa especialistas, dada sua capacidade de transmissão e a baixa adesão a medidas de prevenção dentro do país.
O Nexo explica o que é a variante delta, quais são as preocupações em torno dela e qual pode ser seu impacto sobre a pandemia no país, caso ela venha a se espalhar. Mostra também as medidas de prevenção contra a infecção pelo coronavírus.
O que é a variante delta
Chamada também de B.1.617, a variante delta foi identificada pela primeira vez na Índia em outubro de 2020 e vem sendo apontada como uma das responsáveis pela alta dos casos entre a população indiana em abril, quando o país viveu sua pior fase da pandemia.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a delta como uma variante de preocupação em maio de 2021, por conta de sua maior capacidade de transmissão e por sua propagação em outros países, como o Reino Unido, que vive uma nova onda de covid-19 após sua chegada.
Comuns e esperadas, as variantes são resultados de uma série de mutações dos vírus, que acontecem conforme eles se propagam. Os vírus invadem células para se multiplicar, e nesse processo podem ocorrer erros que alteram seu código genético. Quanto mais um vírus circula, maior a chance de surgirem variantes.
100
é a quantidade de países aos quais a delta chegou, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde)
Embora inúmeras variantes do novo coronavírus tenham sido detectadas desde o início da pandemia, apenas algumas são consideradas variantes de preocupação, por serem potencialmente mais perigosas. São elas a alfa (identificada no Reino Unido), a beta (na África do Sul), a gama (no Brasil) e a delta.
Em maio, a OMS anunciou a criação de um sistema de nomenclatura para variantes baseado em letras do alfabeto grego. Alfa, beta, gama e delta não substituem os nomes científicos das cepas, mas facilitam a comunicação e evitam a formação de estigmas sobre os países onde elas foram identificadas.
O que há de preocupante nela
A principal preocupação em relação à delta é sua capacidade de transmissão, maior que a de outras variantes. Predominante em grande parte dos países onde se espalhou, a cepa também contém mutações que a ajudam a “escapar” da ação de anticorpos que poderiam neutralizá-la, segundo estudos.
“Em uma população com muitas pessoas suscetíveis [à infecção] e alta mobilidade, [a delta] pode tornar o cenário complexo”, disse ao Nexo Mellanie Fontes-Dutra, biomédica e neurocientista da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e divulgadora científica pelo grupo Rede Análise Covid-19.
A pesquisadora fez referência a um estudo publicado em junho na revista científica Eurosurveillance que mostrou que a delta pode ter quase o dobro da capacidade de transmissão da cepa original do novo coronavírus, encontrada na China em dezembro de 2019.
97%
foi o incremento da delta no valor de R (número de reprodução efetiva, que mede a capacidade de transmissão) do coronavírus; a gama, identificada no Brasil, teve 37% de incremento, por exemplo
Os cientistas ainda não sabem se a delta é mais letal que o vírus original ou se gera infecções mais agressivas. Observações preliminares mostram que a cepa pode desencadear sintomas leves. Para Fontes-Dutra, falta obter dados sobre o tema e os efeitos da delta em hospitalizações.
Estudos mostram também que, embora a delta tenha escape parcial das vacinas, todos os imunizantes testados até o momento oferecem proteção contra ela. Para as vacinas com regime de duas doses, é preciso das duas para a defesa completa, segundo Fontes-Dutra.
Com variantes mais transmissíveis, porém, pode ser necessário que os países ampliem suas metas de cobertura vacinal para frear a circulação do vírus. No Reino Unido, onde a imunização está avançada, as infecções voltaram a crescer no fim de junho, a maioria ligada à delta.
Casos graves, porém, estão limitados a pessoas não vacinadas ou vacinadas apenas com a primeira dose. Em resposta ao cenário, a região encurtou o intervalo da aplicação da vacina AstraZeneca de três para dois meses, com o objetivo de acelerar a imunização e garantir mais pessoas com duas doses.
Quais os riscos da delta no país
Os primeiros registros da delta no país ocorreram no Maranhão, em maio, quando o estado detectou seis pessoas infectadas pela variante em um navio atracado no litoral. Na época, a tripulação foi isolada e São Luís (MA) recebeu doses extras de vacina para frear o avanço da cepa.
O país identificou, fora do Maranhão, casos no Paraná, Minas Gerais, Goiás e Rio até 26 de junho, segundo o Ministério da Saúde. Todos eram de pessoas que haviam estado no exterior. Com os casos recentes em São Paulo e no Rio, estuda-se a hipótese de transmissão interna.
Caso a delta se espalhe, o país pode ver um número grande de novos casos de covid-19, por conta de sua alta transmissão e pelo número grande de brasileiros não vacinados — além de poucos vacinados com duas doses, que garantem proteção completa —, segundo Fontes-Dutra.
Outro fator que pode favorecer a variante é a circulação de pessoas, em um contexto de baixa adesão às medidas de prevenção da covid-19. “Mesmo a delta teria dificuldades de se espalhar se reduzíssemos a mobilidade e a população aderisse fortemente ao uso de máscara e distanciamento”, disse a cientista.
Em outros contextos, variantes identificadas no exterior, como a beta, não se tornaram dominantes no país — que hoje tem a maioria de casos de covid-19 ligados à gama, cepa identificada em Manaus. Para Fontes-Dutra, não se sabe se o mesmo pode acontecer com a delta.
“É possível que a delta possa predominar sobre a gama em virtude de sua alta transmissão. Mas existem muitos fatores que podem interferir nisso, e um deles somos nós”, reafirmou. Caso o país tome medidas para conter o vírus, pode-se ter um cenário mais seguro, segundo ela.
Como o país tem baixa capacidade de vigilância genômica — o trabalho de sequenciar amostras do vírus e mapear as variantes —, existe a possibilidade de haver outros casos brasileiros da delta. Especialistas apontam que melhorar a vigilância é importante para enfrentar a cepa.
Como se proteger da delta
Apesar de causar preocupação, a infecção pela delta pode ser prevenida da mesma forma que a de outras variantes do coronavírus: com distanciamento social, uso de máscaras adequadas, ventilação dos espaços e vacinação, segundo especialistas.
Em mais de um ano de pandemia, estudos mostram que a transmissão da covid-19 se dá em grande parte pela inalação de partículas suspensas no ar. Chamadas de aerossóis, elas são produzidas na fala, tosse ou respiração e podem ser carregadas pelo ar por metros.
Com cepas mais transmissíveis, distanciamento, uso de máscaras e preferência por espaços arejados são cruciais mesmo entre vacinados, lembrou Fontes-Dutra. Ela lembrou ainda que, embora uma dose de vacina ofereça proteção parcial contra a delta, é preciso garantir as duas para a proteção completa.