Apesar de os números de casos de infecção e morte por covid-19 terem voltado a subir em todo o país desde o fim de 2020, o Ministério da Saúde vem deixando de custear leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para tratar pacientes com a doença. Por isso, os estados passaram a pressionar pela retomada dos recursos financeiros, e ao menos dois deles recorreram ao Supremo Tribunal Federal para reverter a situação.
Dados divulgados pelo Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) no começo de fevereiro de 2021 mostraram que o total de leitos habilitados em todo o país com recursos federais caiu de 12.003 em dezembro para 7.717 em janeiro e 6.830 em fevereiro. A previsão é que cheguem a 3.187 até o final do mês. No mesmo período, houve um recrudescimento da pandemia.
Na quinta-feira (11), o Brasil registrou 1.452 mortes por covid-19 em 24 horas. Foi a maior marca de 2021 e a terceira desde o início da pandemia, em março de 2020. O número só não é maior do que os observados em 4 de junho (1.470) e 29 de julho (1.554).
Em janeiro de 2021, segundo o mais recente boletim do Observatório Covid-19, da Fiocruz, o país alcançou o pior nível de ocupação de leitos de UTI para a doença desde julho de 2020.
Até o final do mês, o nível era crítico em pelo menos sete estados, que apresentavam mais de 80% de ocupação dos leitos. A pior situação era a da região Norte, onde Amazonas (que registrou mortes por falta de oxigênio em janeiro) e Rondônia superavam os 90% de ocupação. Em outros 15 estados a situação era de alerta intermediário, com ocupação acima de 60%. Segundo um levantamento do jornal O Globo, pelo menos nove estados tinham ocupação de leitos de UTI acima dos 80% até sexta-feira (12).
Pandemia: origens e impactos, da peste bubônica à covid-19
Tudo sobre Coronavírus no Nexo
Qual o material mais eficaz para máscaras, segundo este estudo
O motivo da redução
A queda nos leitos de UTI para covid-19 custeados pelo governo federal se deve à falta de planejamento do orçamento da Saúde para 2021. No ano passado, o Congresso aprovou o chamado orçamento de guerra para ações de combate ao novo coronavírus durante o estado de calamidade pública. Foram liberados para o Ministério da Saúde R$ 63,7 bilhões para ações na área.
Parte dos recursos foi direcionada às UTIs. Em maio, por exemplo, dos 3.228 leitos até então ativos no estado de São Paulo, 2.060 deles (63% do total) eram financiados pelo Ministério da Saúde. Em agosto, o estado atingiu o maior número de leitos ativos (5.085), dos quais 46,5% eram custeados com recursos federais. Já em fevereiro de 2021, a participação da União passou a apenas 11,4%.
O estado de calamidade pública e o orçamento de guerra expiraram em 31 de dezembro, sem que todo o valor fosse executado — pouco mais de R$ 5 bilhões não foram gastos. Para tentar resolver o problema, o Ministério da Saúde pediu ao Ministério da Economia mais R$ 5,2 bilhões para “atender às necessidades de saúde pelo período aproximado de seis meses”.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em fevereiro, o presidente do Conass, Carlos Lula, disse que o orçamento previsto para a Saúde em 2021 é o mesmo de 2019, desconsiderando a pandemia iniciada em 2020, como se ela “simplesmente tivesse terminado dia 31 de dezembro”.
“Há cobranças de todas as secretarias estaduais, sem exceção. Não dá para cortar o orçamento de guerra sendo que a guerra ainda não acabou. Pelo contrário, a pandemia está em fase bem aguda. Precisava existir uma previsão orçamentária sob pena de faltar leito para a gente enfrentar a doença”
R$ 2.500
é o custo diário de um leito de UTI no SUS; desse total, R$ 1.600 têm sido pagos pelo Ministério da Saúde durante a pandemia
Sem o financiamento do governo federal, os encargos recaem sobre estados e municípios. A ausência de ajuda da União não significa necessariamente que os leitos serão fechados, mas pode dificultar a ampliação dos serviços de saúde quando necessário, fazendo com que pacientes não encontrem vagas num momento de piora da pandemia.
O Ministério da Saúde tem dito que seus atos normativos são “pactuados de forma tripartite com o Conass e o Conasems (conselho dos secretários municipais de saúde)”. A pasta disse ainda que os recursos emergenciais foram repassados aos estados e municípios ao longo de todo o ano passado, em quantidade suficiente para a abertura de vagas de UTI, e que continua repassando “créditos extraordinários”.
Ao participar de uma audiência no Senado, na quinta-feira (11), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que a pasta irá custear os leitos que estão em uso por meio de reembolsos aos estados e municípios, o que desagradou os secretários de saúde. Eles alegam que apertos financeiros impedem a aplicação do modelo.
Como os estados reagiram
O Maranhão foi o primeiro estado a recorrer ao Supremo, em 8 de fevereiro, para que o governo federal reabilite todos os leitos de UTI de covid-19 do estado, além de prestar auxílio financeiro e técnico para expandir as vagas. O estado diz que há o risco de “danos irreparáveis” à população, como os que ocorreram em Manaus, e pede multa diária de R$ 1 milhão caso as medidas sejam descumpridas.
Dois dias depois, o estado de São Paulo também recorreu ao tribunal. O governo paulista pediu que o ministério financie 3.258 leitos que estão em funcionamento mas deixaram de receber verbas federais — o governo Bolsonaro diz que continuou a repassar valores extras em 2021 para que 580 leitos pudessem ser mantidos por 30 dias.
O governador João Doria (PSDB) vinha acusando o Ministério da Saúde de agir com “viés político” ao desabilitar os leitos. Ele e Bolsonaro têm pretensões de concorrer à Presidência em 2022 e travam uma disputa política. Em resposta, a pasta afirmou que o governador paulista mente.
As pressões sobre o governo federal também incluem um documento intitulado “Carta da Amazônia à Nação Brasileira”, assinado por oito governadores dos estados que integram o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal e divulgado em 7 de fevereiro. Os governadores do Norte e Nordeste dizem que a retomada da reabilitação dos leitos do SUS é “vital” para evitar que o subfinanciamento da saúde seja aprofundado “em meses decisivos no enfrentamento à pandemia”.
Eles também pedem a “retomada imediata do auxílio emergencial”, por causa dos efeitos econômicos e sociais nas famílias gerados pela persistência da pandemia.
O Nexo também tem um Índex com todos os conteúdos produzidos pelo jornal sobre a pandemia. Eles estão com acesso livre.