A cidade do Rio de Janeiro superou São Paulo e se tornou, na quinta-feira (4), o município do país com mais mortes por covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Enquanto a capital paulista, mais populosa do país, acumulava 17.523 óbitos desde o início da pandemia, o Rio somava 17.535.
A diferença entre as duas cidades é de mais de 5 milhões de habitantes: São Paulo tem uma população de mais de 12 milhões de pessoas, enquanto o Rio tem 6,7 milhões, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os dados de mortes por covid-19 são das secretarias de Saúde dos municípios.
Com 17.535 mortes, o Rio não supera só a cidade de São Paulo e outros municípios do país, mas 24 estados e o Distrito Federal em número de óbitos por covid-19. Entre esses 25, dez são mais populosos que a capital fluminense. A cidade do Rio fica atrás apenas do próprio estado do Rio e do estado de São Paulo.
33
é a quantidade de regiões administrativas da cidade do Rio de Janeiro; todas estão em risco alto para a covid-19
Além de ser líder em números totais, o Rio tem uma proporção alta de pessoas que morrem por covid-19 em relação a outras capitais do país. Enquanto, na cidade de São Paulo, a taxa de letalidade da doença causada pelo novo coronavírus é de 3,7%, na capital fluminense ela é de 9,18%, segundo as secretarias de Saúde.
Na sexta-feira (5), o Rio de Janeiro registrou 17.627 óbitos acumulados por covid-19, ainda à frente de São Paulo, que confirmou 17.546. No total, a capital fluminense tem mais de 191,5 mil casos confirmados da doença. Atualmente, as UTIs (unidades de terapia intensiva) da cidade têm ocupação de 87%, depois de, em dezembro de 2020, terem chegado a mais de 90%.
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Qual o impacto das aglomerações
O principal motivo para o grande número de mortes no Rio é a alta taxa de transmissão do novo coronavírus na cidade, que vem aumentando nos últimos meses com o aumento de aglomerações e o relaxamento das medidas de distanciamento social, na avaliação de especialistas.
O isolamento no município teve início na segunda quinzena de março de 2020, poucos dias depois de a capital ter confirmado seu primeiro caso de covid-19. Inicialmente, as medidas de restrição implementadas tiveram grande adesão, chegando a resultar em índices de mais de 80% de pessoas em casa na cidade.
A quarentena nas cidades do país, porém, foram consideradas pouco rígidas e desordenadas, com falta de consenso entre autoridades, pressões comerciais para o retorno de atividades e ausência de políticas de proteção social suficientes para que a população ficasse em casa, apesar do auxílio emergencial.
A capital fluminense viveu o pico da epidemia entre abril e maio. Com a breve melhora dos índices em junho, passou a afrouxar as medidas de isolamento. A quarentena foi flexibilizando gradualmente, permitindo, com o tempo, a ida das pessoas a praias e a realização de eventos culturais, mesmo que dentro de certos protocolos.
1,21
é o valor do índice R0 do novo coronavírus na cidade do Rio de Janeiro na metade de janeiro, segundo cálculo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); número indica que cada 100 infectados transmitem para 121
O professor de virologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Davis Ferreira atribui a esse relaxamento a situação da cidade. Em setembro, depois de alguns meses de índices relativamente baixos da epidemia, o Rio voltou a ver o número de mortes por covid-19 crescer.
“Começaram a relaxar, depois, na época das eleições, que foram um gatilho para os casos aumentarem. Vieram, depois, as festividades de Natal e Ano Novo. A partir de então, a gente não parou mais de ter casos, que começaram a se refletir nos números da pandemia a partir de janeiro”, disse Ferreira ao Nexo.
O professor também atribui ao verão o aumento da mobilidade no Rio nos últimos meses. “As pessoas estão cansadas da pandemia e saindo de casa, se aglomerando nas praias — que seriam locais seguros, mas não com tantas pessoas — e na vida noturna”, disse. “O vírus segue o comportamento da população.”
Embora tenha o maior número de mortes por covid-19 entre as capitais, o Rio não é líder em número de casos da infecção. A diferença pode ser explicada pela possível subnotificação de casos, falhas na testagem e falhas na assistência aos doentes que buscam tratamento, na avaliação de especialistas.
Qual a situação dos hospitais
A situação no Rio se agravou com o quadro do sistema de saúde, que, com o aumento do número de casos do novo coronavírus na cidade, chegou a registrar mais de 90% de ocupação dos leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) para covid-19 na rede pública e 97% na rede privada em dezembro de 2020.
O quadro chegou a ficar próximo do que o município viu entre abril e maio de 2020, quando a cidade chegou ao pico de casos da primeira onda da epidemia e o sistema de saúde foi ao colapso. A cidade sofreu com falta de leitos e com o aumento das filas por vagas de UTI e enfermaria na rede pública.
1,1 mil
pacientes chegaram a esperar ao mesmo tempo na fila por leitos de covid-19 na capital fluminense em maio de 2020
O problema da escassez de vagas na rede pública do Rio se devia a uma grande quantidade de leitos ociosos nos hospitais, que estavam daquela forma por falta de insumos para o tratamento de covid-19 — como EPIs e respiradores — e de funcionários nas unidades de saúde municipais, estaduais e federais da cidade.
Os governos da cidade e do estado do Rio construíram, na época, dois hospitais de campanha na cidade: o Hospital de Campanha do Riocentro (municipal) e o Hospital de Campanha do Maracanã (estadual). Os hospitais serviram para atender à demanda, mas chegaram com atraso, e as duas unidades ficaram aquém do número prometido pelos governos.
No estado do Rio, a construção de hospitais de campanha foi alvo de suspeitas de fraudes e desvios de recursos. Por causa dessas suspeitas, o governador Wilson Witzel (PSC) foi denunciado formalmente, foi afastado do cargo e hoje é alvo de um processo de impeachment. Ele nega as acusações.
Com a criação de novos leitos e a queda nos índices de casos e mortes na cidade, a ocupação dos hospitais do Rio diminuiu em junho, e depois parte da estrutura criada para a covid-19 foi desativada. O aumento de casos no fim de 2020, porém, voltou a pressionar as unidades de saúde da cidade, agora sem leitos.
Sem salários em dia, profissionais de saúde começaram, além disso, a deixar hospitais de referência do Rio no fim do ano — situação que tende a agravar o colapso. A fila de espera por leitos voltou a crescer, e o índice de mortes em casa subiu na cidade em dezembro. “As mortes refletem essa incapacidade de absorver todo mundo”, disse Davis Ferreira.
945
pessoas estavam hospitalizadas com covid-19 na cidade do Rio de Janeiro na quinta-feira (4); 426 delas estavam em UTIs
“No final do ano passado, alguns setores [dos hospitais do Rio] tinham fechado salas de covid-19 para atendimento, por causa da baixa do número de casos”, contou o professor ao Nexo. “Quando voltou a subir o número de casos, isso tudo teve que ser reativado. Com os hospitais de campanha fechados, foi muita demanda.”
“Mas, independentemente de os hospitais estarem preparados”, segundo ele, “se o número de casos for muito alto, não vai ser possível atender a todos. Não tem cidade que esteja preparada [para cenários mais graves da pandemia]. Os hospitais podem estar preparados até certo ponto”, disse.
Qual a situação da epidemia agora
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), comentou na sexta-feira (5) o índice de mortes por covid-19 que a cidade atingiu no dia anterior, mas afirmou que não deve restringir as regras de controle da pandemia no município, porque, apesar desses números, a cidade vem passando por uma queda na curva de contágio.
O prefeito publicou, porém, um decreto na sexta-feira (5) que busca evitar aglomerações nos dias de Carnaval. A prefeitura do Rio anunciou que proibirá a entrada de ônibus, vans e outros veículos na cidade dos dias 12 a 22 de fevereiro e irá reforçar a fiscalização de festas e outras aglomerações ilegais.
“É verdade que superamos São Paulo”, disse o prefeito sobre os óbitos da cidade. “Um absurdo que eu estou denunciando desde o ano passado”, afirmou, em referência à gestão de Marcelo Crivella (Republicanos), prefeito do Rio até 2020. Para Paes, os maus resultados se devem a políticas do mandatário anterior.
O prefeito comemorou a vacinação no Rio, que começou em janeiro, após a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do uso emergencial da Coronavac e da vacina de Oxford. A prefeitura antecipou em uma semana o calendário de imunização e diz que, até o fim do mês, irá vacinar todos os idosos a partir de 75 anos.
Cientistas da UFRJ lançaram nota, em janeiro, em que recomendaram que o governo adotasse medidas para conter aglomerações, suspendendo eventos sociais, culturais e esportivos e aumentando a fiscalização. O texto também sugeriu “avaliar a decretação de restrição intensiva de mobilidade” em caso de piora dos índices.
“Enquanto a gente aguarda a cobertura vacinal, não tem outro jeito: temos que usar máscaras, fazer distanciamento, restringir movimentos das pessoas e continuar com as medidas de higiene. É isso que vai segurar a transmissão”, disse Davis Ferreira ao Nexo. “São medidas que a gente sabe que funcionam.”
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