O primeiro dia do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ocorre neste domingo (17) para quase 6 milhões de estudantes sob incertezas a respeito da segurança de sua aplicação em meio ao aumento no número de casos de covid-19 no Brasil.
No Amazonas, um decreto publicado na quinta-feira (14) pelo governo local confirmou a suspensão da prova em seus 62 municípios, a partir de decisão judicial. O estado vive um colapso em seu sistema de saúde diante de uma nova disparada de mortes e contaminações, numa situação dramática em que falta oxigênio para atender doentes nos hospitais.
Na sexta-feira (15), o Tribunal Regional da 1ª Região manteve a suspensão do Enem no Amazonas, após recurso do governo federal. A decisão também determina que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) providencie a organização e realização das provas nos dias 23 e 24 de fevereiro aos 160 mil inscritos no estado.
A demanda pelo adiamento do exame vinha mobilizando estudantes em todo o Brasil. A hashtag #adiaEnem voltou a ser um dos assuntos mais comentados no Twitter durante a semana, assim como as frases “adia Enem por vidas” e “estudantes pedem socorro”.
Marcado inicialmente para acontecer em novembro de 2020, o Enem foi adiado em maio pelo MEC (Ministério da Educação) após pressão social e derrotas na Câmara e no Senado. A primeira prova acontece no domingo (17) e a segunda no dia 24. Nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro ocorre a primeira versão digital do exame, que não é realizada remotamente.
Tentativas de adiar em todo o país
Questionamentos sobre insegurança e desigualdade no Enem em meio à pandemia surgiram em outros vários do país. Na terça-feira (12), a Justiça Federal de São Paulo rejeitou o pedido da DPU (Defensoria Pública da União) para postergar o exame. A juíza Maria Claudia Gonçalves Cucio defendeu a decisão afirmando que o adiamento causaria “certamente prejuízos financeiros” e prejudicaria a formação acadêmica dos participantes. A defensoria recorreu, mas o tribunal manteve a decisão.
Na sexta-feira (15), vereadores protocolaram ações nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Fortaleza, Salvador, Aracaju e Recife pedindo o adiamento da prova até que fossem “garantidas condições sanitárias adequadas e seguras para não alavancar o contágio pelo novo coronavírus em seus municípios e regiões”.
No Distrito Federal, o Ministério Público Federal enviou ofício ao Ministério da Educação e ao Inep na quinta-feira (14) pedindo para que os órgãos avaliem a alteração das datas do exame na capital. Até a noite de sábado (16), nenhuma dessas iniciativas havia obtido êxito.
Segurança e abstenção
Além do uso obrigatório de máscaras e da higienização dos locais de prova, uma das medidas apresentadas pelo Inep em todos os questionamentos judiciais para afirmar a segurança da realização do Enem é a garantia de ocupação de, no máximo, 50% da capacidade das salas de aula. Apesar da promessa, a média de candidatos por ambiente teve redução de apenas 19,8% em relação à prova de 2019.
A prova será aplicada em 205 mil salas. Ou seja, cada uma abrigará uma média de 27,7 candidatos. No último exame em novembro de 2019, a média foi de 34,5 pessoas por sala. Questionado há semanas por organizações de estudantes, como a Ubes e a UNE, e pela imprensa, o Inep revelou apenas na sexta-feira (15) o número de salas e a média de 50% de participantes em cada local.
A Defensoria Pública da União, junto com entidades de educação, entrou no sábado (16) com uma nova petição de adiamento em que alega que o Inep mentiu ao afirmar que as salas terão 50% de capacidade, citando relatos de universidades que alertaram ao MEC que suas salas terão capacidade de 80% e não obtiveram resposta.
Especialistas afirmaram ao jornal Folha de S.Paulo que mesmo a medida anunciada pelo Inep não garante um distanciamento social suficiente para assegurar condições sanitárias adequadas aos inscritos. Segundo apurações do jornal, a aposta do instituto e do MEC para garantir uma prova segura é que haja uma alta abstenção, na casa de 40%. A taxa média de não-comparecimento ao Enem é de cerca de 25%.
A abstenção alta foi sentida em dois grandes exames presenciais que já ocorreram em 2021. A Unicamp, aplicada nos dias 6 e 7 de janeiro, teve o maior índice de desistência de sua história: 13,8% — a média é 9%. No vestibular da USP, que aconteceu no domingo (10), 13,2% dos inscritos faltaram. A edição anterior do vestibular teve 7,9% de ausentes.
O Inep também não determinou nenhum tipo de controle, como aferição da temperatura dos candidatos, para que pessoas com sintomas do novo coronavírus não entrem nos locais de prova. A única orientação é que o inscrito que tiver sintoma ou suspeita de estar com alguma doença infectocontagiosa não compareça ao local de prova e participe da reaplicação, que ocorrerá em fevereiro.
Reflexo da desigualdade
Não só o receio dos inscritos de se contaminar e de contaminar outras pessoas, seja nos locais de prova ou no deslocamento até eles, explica a alta taxa de abstenção nas provas. Os candidatos também podem faltar ao exame por se sentirem desmotivados, por não terem conseguido estudar ou por não se sentirem preparados.
O aumento na desigualdade da educação foi singular em 2020, ano marcado pela defasagem educacional causada pela pandemia. Cerca de 48 milhões de estudantes foram obrigados a estudar em casa, sendo que 81% deles são de escolas públicas. A desigualdade de acesso à internet fez com que parte desses alunos não conseguissem acompanhar as aulas oferecidas a distância.
No documento em que pedia o adiamento do Enem, a Defensoria Pública da União ressaltou que o exame existe para reduzir a desigualdade do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar essa desigualdade.
O MEC, no entanto, ao recorrer contra a decisão de suspender a prova no Amazonas, afirmou que um novo adiamento poderia prejudicar o calendário letivo das faculdades e os candidatos que se preparam durante o ano todo.
Confusão no Ministério da Educação
A pressão para o adiamento das provas que geralmente ocorrem em novembro começou no fim de março, de 2020 mês em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a pandemia de covid-19. Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que a data da prova seria mantida e que todos os alunos teriam condições iguais de realizar o exame.
“O coronavírus atrapalha um pouco, mas atrapalha todo mundo. Como é uma competição, tá justo”, disse. Em seguida, o MEC lançou uma campanha publicitária em que reafirmava que o exame ocorreria em 2020. Em uma das propagandas, jovens falavam: “estude, de qualquer lugar, de diferentes formas. As provas serão no final do ano. Até lá, estude”.
A campanha foi ridicularizada nas redes sociais, com estudantes questionando o MEC sobre o aumento da desigualdade na educação. A resistência da pasta em postergar o Enem apesar de alertas de especialistas sobre o perigo de contágio seguia a cartilha do governo de minimizar a gravidade da pandemia.
Somente em maio, contra sua vontade, Weintraub confirmou o adiamento da prova após pressão social. Na época, o MEC fez uma enquete para os concorrentes decidirem a nova data do exame. Durante a sondagem, a pasta da educação ficou à deriva. Em junho, Weintraub foi demitido. Em seguida, Carlos Alberto Decotelli, que assumiu em seu lugar, pediu demissão após ficar menos de uma semana no cargo.
Em julho, o resultado da enquete apontou que a maioria dos estudantes escolheu que a prova fosse realizada em maio de 2021, em detrimento das outras opções que eram dezembro de 2020 e janeiro de 2021. Apesar disso, o MEC resolveu marcar o Enem para janeiro, sem apresentar argumentos ou dados epidemiológicos para corroborar a escolha. Dias depois de anunciar a data, o novo ministro, Milton Ribeiro, assumiu o ministério e ficou encarregado da realização da prova.