O presidente americano, Donald Trump, determinou nesta segunda-feira (23) que o GSA (o gabinete de Administração de Serviços Gerais, na sigla em inglês) dê início aos trâmites de transição na Casa Branca.
Com essa ordem, Trump destrava verbas públicas, instalações e informações vitais para que a equipe do presidente eleito Joe Biden prepare o início do mandato democrata, marcado para janeiro.
“Estou recomendando que Emily [Murphy, responsável pela GSA] e sua equipe façam o que for preciso com vistas aos protocolos iniciais [de transição], e pedi à minha equipe que faça o mesmo”, disse o republicano em sua conta no Twitter.
Mudança de atitude
Na prática, este é o sinal mais claro de que Trump está disposto a aceitar a derrota eleitoral para Biden nas eleições de 3 de novembro, mesmo que ele prometa manter a contestação judicial ao resultado das urnas.
Essa contestação judicial pode se estender até 14 de dezembro. A data, mencionada pela advogada Jenna Ellis, que representa a campanha de Trump na Justiça, corresponde ao momento em que os 538 delegados eleitorais vão a Washington e transmitem oralmente seus votos ao novo Congresso, fechando o ciclo do processo eleitoral indireto que vigora nos EUA.
Tradicionalmente, não há surpresas no anúncio oral de 14 de dezembro. Os delegados – que este ano devem se reunir por meio de uma teleconferência a distância, por causa da pandemia – apenas retransmitem ao Congresso o resultado que já foi apurado nas urnas em cada um de seus estados.
Advogados de Trump, como Ellis, tentam manter a base republicana mobilizada em torno do argumento cada vez mais desgastado de que a vitória de Biden resulta de uma fraude eleitoral massiva, o que – passados 17 dias da proclamação da vitória democrata – não foi comprovado.
Embora advogados do campo republicano, como a própria Ellis e o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, prometam manter a pressão nos tribunais, o fato é que figuras de peso do establishment do partido dão sinais claros de que essa estratégia deve acabar confinada aos nichos mais radicais e cada vez menos influentes da extrema direita trumpista.
Alívio, mas com precaução
O início do processo de transição, tal como anunciado por Trump, dissipa pelo menos em parte o temor de que o atual presidente americano pudesse simplesmente não entregar o mandato em janeiro.
Esse temor vem do fato de o próprio presidente dos EUA ter dito que não pretendia sair da Casa Branca. “Não haverá transferência [de poder]”, disse Trump em 23 de setembro.
A declaração, dada no calor da campanha eleitoral, foi reafirmada mais tarde pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo. “Teremos uma transição tranquila para o segundo mandato de Trump”, disse Pompeo, a despeito de os resultados à época já mostrarem vitória de Biden.
Por três semanas, Trump fez da Casa Branca uma espécie de bunker contra a transição presidencial, mudando cargos estratégicos, bloqueando verbas e dificultando ao máximo o trabalho do grupo responsável por passar o bastão.
Agora, com o post no qual autoriza a GSA a trabalhar em parceria com a equipe do rival democrata, a pressão sob o sistema político americano finalmente parece estar amenizando, e o horizonte da mudança se anuncia menos turbulento.
Derrotas judiciais
Além do peso das declarações, há o peso dos fatos. Trump vem colecionando derrotas nos estados em que apelou dos resultados desfavoráveis.
Na segunda-feira (23), o estado do Michigan confirmou a vitória eleitoral de Biden e a Justiça da Pensilvânia rejeitou o pedido republicano de descarte de milhares de votos postais. O presidente americano critica ainda apurações em Wisconsin, Arizona, Nevada e Geórgia, mas nada indica que as causas movidas por seus advogados devem prosperar.
Os processos se multiplicam, buscando brechas legais em diversas frentes, mesmo em estados nos quais a Justiça já descartou as alegações de fraude. Apoiadores mais fervorosos do presidente americano fazem doações para custear a empreitada judicial, ainda que a cúpula da legenda pareça cada vez mais empenhada em construir uma transição pacífica para o futuro mandato democrata.
Todas essa movimentação no interior do campo conservador deve moldar a correlação de forças entre republicanos tradicionais e os adeptos do fenômeno do trumpismo, que, após quatro anos em evidência na Casa Branca, deve mostrar nos próximos meses e anos qual formato pode vir a tomar enquanto movimento de oposição.
Citando fontes anônimas do Partido Republicano, o jornal americano The Washington Post diz que o presidente americano está se deixando persuadir pela ideia de fazer um discurso no qual exalta os feitos de sua administração, o que marcaria uma espécie de encerramento simbólico de seu mandato e o reconhecimento – ainda que não explícito – da derrota para Biden.