“Antiquário (do latim antiquarius, aquele que gosta de antiguidades)”, diz a Wikipédia, “pode designar tanto um entusiasta, admirador ou comerciante de coisas antigas, quanto um estudioso que se dedica à investigação sobre as antiguidades, isto é, todo tipo de evidência material ligada ao passado”.
“Antiquário” é um dos poucos verbetes destacados pela Wikipédia. Dos 1.044.144 artigos publicados na enciclopédia digital em língua portuguesa, apenas 1.211 (cerca de 0,11%) são considerados de excelência, a partir de critérios como estrutura, neutralidade, precisão, referências e verificabilidade da informação.
Esse é um dos verbetes desenvolvidos pelo projeto Teoria da História na Wikipédia, iniciado em 2018, no Núcleo de Estudos em Políticas da Escrita da Memória e da Imagem da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), sob coordenação dos professores Rodrigo Bonaldo e Flávia Varella.
A iniciativa, aberta à participação de estudantes de graduação e pós-graduação, busca divulgar conhecimento acadêmico em uma linguagem acessível na enciclopédia online. Até agora, foram publicados verbetes como “história global”, “história do tempo presente”, “história pública”, “historicismo” e “scriptorium”.
O projeto integra a ação Wikipédia na Universidade, que desde 2011 mobilizou diversos cursos em instituições como USP (Universidade de São Paulo), UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e FGV (Fundação Getulio Vargas). O objetivo é estimular estudantes e docentes a utilizarem a Wikipédia como ferramenta de ensino, capacitando “novos wikipedistas”.
Como se escreve e se edita na Wikipédia
Lançada em 2001, a Wikipédia contabiliza cerca de 51 milhões de páginas em diversos idiomas, acessadas por mais de um bilhão de dispositivos por mês.
“Muito nos impressionou o potencial que a Wikipédia demonstra para a divulgação científica. Assim como nos impressionava, e por vezes continua a impressionar, o razoável descaso com que parte da comunidade científica trata a plataforma. Esse descaso é inversamente proporcional ao alcance da Wikipédia: faça qualquer pesquisa no Google e a Wikipédia em geral vai aparecer entre as primeiras entradas”, afirmaram Bonaldo e Varella ao Nexo.
Por bastante tempo, a Wikipédia foi considerada uma fonte não confiável. Entretanto, a plataforma foi paulatinamente aprimorando seus mecanismos de controle colaborativo para garantir a credibilidade dos artigos. Nos últimos anos, também foram feitas parcerias com universidades e instituições de pesquisa para melhorar o conteúdo.
A priori, todo mundo pode escrever e editar na enciclopédia de acesso livre, basta se cadastrar como usuário e seguir as diretrizes editoriais e regras de conduta. Hoje, há mais de 40 milhões de usuários registrados e 1.128 administradores, que podem bloquear e desbloquear perfis por infrações.
1.044.151
é o número de artigos publicados em língua portuguesa, segundo dados de outubro de 2020
2.469.964
é o número de usuários registados na Wikipédia em língua portuguesa
1.128
é o número de administradores registrados na Wikipédia no mundo inteiro
Escrever na enciclopédia envolve um longo levantamento bibliográfico, construir índices, acrescentar verbetes secundários e traduzir referências internacionais.
Um dos pilares da enciclopédia é a neutralidade, o ponto de vista neutro (NPOV, na sigla em inglês). Na prática, isso quer dizer que toda informação incluída nos artigos deve ter uma referência e, em caso de conflito, o texto deve apresentar as diferentes perspectivas.
A rigor, a Wikipédia é uma fonte terciária, isto é, ela compila fontes secundárias (livros, estudos científicos, estatísticas, etc) sobre determinado assunto.
Como se controla a inclusão de teorias conspiratórias na Wikipédia
Biografias de personalidades vivas e acontecimentos recentes requerem cuidado redobrado ao se escrever ou editar na plataforma.
Uma das regras de conduta é evitar “guerras de edições”, em que usuários disputam a narrativa de tópicos polêmicos, fazendo alterações sucessivas em cima da redação de outros usuários.
“A proporcionalidade e prestígio científico-acadêmico cumpre um papel importante: opiniões desqualificadas como ‘terra plana’ ou teorias conspiratórias como ‘QAnon’ não devem ter o mesmo peso de teses reconhecidas pela comunidade científica, muito embora, no caso de tornarem-se relevantes no debate público (como foi o caso das teses de ‘nazismo de esquerda’ e ‘marxismo cultural’), esse tipo de informação seja frequentemente mencionado como material paracientífico”, ponderam Bonaldo e Varella.
Segundo os historiadores, o site pode ser um aliado para a educação. “Em duas frentes: primeiro, para leitores, que podem ter acesso a conteúdo produzido sob supervisão de especialistas; segundo, para wikipedistas, que aprendem como produzir conteúdo referenciado por fontes identificadas como fidedignas, além de refletir sobre a organização da informação. Nesse sentido, nosso trabalho é uma espécie de curadoria digital.”
Durante a quarentena na pandemia de covid-19, os estudantes Lucas Piantá, Pedro Terres e Isabela Tosta, que participam do Teoria da História na Wikipédia, lançaram um desdobramento do projeto no Twitter: o perfil História na Wiki, focado na divulgação do funcionamento da enciclopédia.
Ativo desde abril, o perfil vem despertando interesse em estudantes e professores em busca de novas ferramentas pedagógicas.
O projeto publica sequências de posts didáticos sobre tópicos polêmicos como a atuação de bots e a disputa de narrativas, como foi o caso recente do verbete “Brasil Paralelo”.
Segundo Piantá e Terres, como a enciclopédia é construída colaborativamente por diversos usuários, que devem sempre incluir referências para todas as afirmações feitas nos verbetes, o controle para impedir a inserção de teorias conspiratórias e fake news é feita pela própria “comunidade wikimedia”.
“Discordâncias devem ser tratadas na aba de discussões de cada artigo, em que idealmente os usuários apresentam argumentos e referências a fim de encontrar um equilíbrio, um consenso”, disseram os autores ao Nexo.