Os governos da Rússia e da França denunciaram na quarta-feira (30) a presença de “terroristas e mercenários” sírios e líbios a serviço da Turquia no conflito entre a Armênia e o Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh.
A denúncia aponta para uma súbita internacionalização do conflito, com potencial de transbordar para uma zona de interesse geopolítico que envolve potências regionais como a Turquia, além da própria Rússia, que é uma potência nuclear com pretensões hegemônicas no território do leste europeu e das ex-repúblicas soviéticas.
A acusação de franceses e russos foi feita um dia depois de o governo da Armênia ter dito que a Turquia, que é aliada do Azerbaijão, derrubou um de seus caças SU-25.
Para frear a escalada, os governos da França e da Rússia, que são próximos da Armênia, propuseram um encontro de cúpula entre os envolvidos no conflito, mas a proposta de diálogo foi rechaçada pelos armênios, com os combates entrando em seu quarto dia e o número de mortos passando à casa das centenas.
Com os atores do conflito em Nagorno-Karabakh se multiplicando, cresce a importância de mapeá-los e entender as razões que liga cada país a essa dinâmica.
As origens do conflito
Nagorno-Karabakh, ou Alto Karabakh, é uma região de bosques e montanhas, que tem duas vezes o tamanho do Distrito Federal (no Brasil), incrustado na fronteira entre a Armênia e o Azerbaijão. Mais de 150 mil pessoas vivem na região – a maioria, armênios – embora o território ocupe 13% do território que originalmente era do Azerbaijão.

Uma parte de Nagorno-Karabkh, pouco habitada, é controlada por independentistas que proclamaram unilateralmente sua autonomia em 1991, sem reconhecimento internacional. Outra parte é povoada por civis, descendentes de armênios. É sobre essa outra parte que a Armênia exerce maior controle, contrariando interesses do Azerbaijão.
O conflito envolve pretensões soberanistas de Nagorno-Karabakh e disputas pela demarcação da linha divisória na região, estabelecida em 1994 entre a Armênia e o Azerbaijão. Essa zona – que é palco de escaramuças periódicas de pequena envergadura –, converteu-se no final de setembro em uma súbita escalada do conflito, retomando ações militares mais robustas, como não acontecia desde 2016.
Atores externos
Rússia
A Rússia compunha a maior parte da União Soviética, até a ruína do bloco, em 1991. Como tal, herdou a ascendência sobre as demais ex-repúblicas que compunham a URSS – como a Armênia e o Azerbaijão –, e exerce grande influência na política doméstica dos países menores em seu entorno. O país mantém uma base militar na Armênia e se opõe aos interesses do Azerbaijão.
França
A França tem papel ativo no Grupo de Minsk (que leva o nome da capital da Belarus, onde o grupo foi fundado, durante o encontro da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, em 1992), juntamente com Rússia e EUA, para dirimir o conflito entre Armênia e Azerbaijão em Nagorno-Karabakh. O país tem uma comunidade formada por 600 mil armênios em seu território, o que coloca os franceses alinhados com os russos e os armênios contra o Azerbaijão.
Turquia
A Turquia tem laços culturais fortes com o Azerbaijão, a quem vem apoiando militarmente, em oposição à Rússia, à França e à Armênia. A abertura desse front coloca os turcos em oposição aos russos em três contextos, no total: Nagorno-Karabakh, Síria e Líbia. Apesar desse antagonismo forte, russos e turcos cooperam em diversos projetos comuns, especialmente na área energética na região.
Quais as evidências de envolvimento estrangeiro
A Rússia e a França não apresentaram provas do envolvimento de combatentes sírios e líbios, além das declarações, que ganharam repercussão imediata nos maiores jornais do mundo.
“Os presidentes russo [Vladimir Putin] e francês [Emmanuel Macron] concordam sobre a necessidade de um esforço conjunto para alcançar um cessar-fogo, no âmbito do Grupo de Minsk. Eles também se preocupam com o envio de mercenários sírios pela Turquia a Nagorno-Karabakh”, disse a presidência francesa em comunicado.
O jornal britânico The Guardian publicou reportagem na qual afirma que combatentes de grupos rebeldes sírios e líbios se alistaram numa empresa privada de segurança militar turca que vem agindo em Nagorno-Karabakh, em apoio às tropas do Azerbaijão.
Por que mercenários sírios e líbios
Síria e Líbia são dois países que atravessam longos conflitos armados internos não relacionados entre si, nos quais russos e turcos desempenham papéis preponderantes, em lados opostos.
Na Síria, a Rússia apoia o presidente Bashar al-Assad, enquanto a Turquia apoia grupos rebeldes. Parte desses rebeldes é que estariam se alistando em empresas privadas de segurança turcas para dar apoio ao Azerbaijão contra a Armênia.
Na Líbia, a Turquia apoia Fayez Al-Sarraj, que controla a capital, Trípoli, e lidera o que as Nações Unidas chamam de Governo de Unidade Nacional. A Rússia, por sua vez, apoia o marechal Khalifa Haftar, que avança com suas forças a partir do enclave de Tobruck e almeja unificar o país sob seu comando. Parte dos homens leais a Sarraj é que estariam se alistando ao lado da Turquia para apoiar o Azerbaijão contra a Armênia em Nagorno-Karanakh.
É impossível prever se o conflito em Nagorno-Karabakh tomará a dimensão dos conflitos da Síria e da Líbia, que se arrastam há anos. Em comum, há o fato de os três terem iniciado como conflitos armados internos, com uma rápida internacionalização de sua dinâmica.