O presidente Jair Bolsonaro disse no domingo (11) que a Alemanha “vai deixar de comprar a prestações a Amazônia” e sugeriu que o país europeu tem interesse em “se apoderar do Brasil”.
Bolsonaro se referia ao anúncio feito no sábado (10) pelo governo alemão segundo o qual a Alemanha vai congelar um repasse de R$ 155 milhões para projetos de preservação ambiental no Brasil, por meio do Fundo Amazônia, com o qual contribui regularmente. Segundo o presidente brasileiro, a Alemanha “pode fazer bom uso dessa grana” e “o Brasil não precisa disso”.
O governo da primeira-ministra Angela Merkel disse ter dúvidas se o governo Bolsonaro de fato está empenhado em reduzir o desmatamento da floresta e preservar o meio ambiente. Por isso a Alemanha decidiu suspender um novo aporte financeiro.
Nesta segunda-feira (12), a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, disse que a declaração de Bolsonaro mostra que a Alemanha “está fazendo a coisa certa” e que não é possível “ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”. A Alemanha afirma que seguirá dialogando com o Brasil sobre o tema.
Essa foi a medida estrangeira mais contundente contra o governo Bolsonaro na área do meio ambiente nos primeiros oito meses do novo governo. Esse setor é um dos que tem mais recebido atenção no exterior durante os primeiros meses de mandato de Bolsonaro. Para o presidente, que tem feito diversas declarações sobre o tema, o país preserva o meio ambiente e é injustamente criticado no cenário internacional.
O que é e como funciona o Fundo Amazônia
Criado em 2008, o Fundo Amazônia é uma iniciativa do Brasil para captar investimentos estrangeiros e nacionais para ações de conservação da Amazônia. As verbas são geridas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e usadas para iniciativas como monitoramento, gestão de florestas públicas e recuperação de áreas desmatadas.
O fundo é um importante instrumento para coibir o desmatamento e atuar contra mudanças climáticas. A maior floresta tropical do mundo é vista como um bem natural cuja preservação é do interesse de todo o planeta, daí as doações estrangeiras.
A maior parte dos repasses é feita pela Noruega. Em seguida, vem a Alemanha. Juntos, os dois países europeus representam cerca de 99% dos recursos. Uma eventual saída definitiva da Alemanha colocaria em risco a existência do fundo.
R$ 3,4 bilhões
foi a quantia que o Fundo Amazônia captou desde 2008
O dinheiro é repassado a projetos concretos do governo federal, governos estaduais, prefeituras, universidades e entidades privadas. Entre as iniciativas apoiadas estão, por exemplo, a compra de equipamentos para batalhões de combate a incêndio do Corpo de Bombeiros do Acre e a recuperação de nascentes de rios em municípios de Mato Grosso.
Em contrapartida, o Brasil precisa apresentar resultados concretos de redução de emissões de gases estufa e de conservação ambiental. Existem auditorias periódicas para acompanhar os gastos do fundo e se o dinheiro está sendo revertido de forma efetiva na preservação ambiental.
O fundo no governo Bolsonaro
Em maio de 2019, o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que existiam irregularidades em contratos com projetos que recebem dinheiro do Fundo Amazônia e propôs que os recursos sejam usados também para indenizar desapropriações de terras protegidas.
A Noruega, a Alemanha, ambientalistas e outros pesquisadores da área afirmam não haver nenhum indício de irregularidade contábil e são contrários a usar o dinheiro para indenizações, pois veem uma mudança que daria espaço a mais desmatamento.
Em junho de 2019, os governos norueguês e alemão enviaram uma carta ao governo brasileiro na qual dizem que o fundo precisa ser fortalecido e que o desmatamento requer combate conjunto. Um decreto presidencial de Bolsonaro pôs fim ao comitê que geria o desempenho do Fundo Amazônia.
No mês de julho, Salles afirmou que o fundo pode deixar de existir. Ao longo de 2019, durante o mandato de Bolsonaro, nenhum novo projeto foi aprovado para financiamento do Fundo Amazônia.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, diante dos entraves atuais na gestão do Fundo Amazônia, governos estaduais da região Norte estão buscando por conta própria investimentos europeus para a área ambiental.
O desmatamento da Amazônia
A Floresta Amazônica é desmatada para fins como garimpo, extração ilegal de madeira e agropecuária.
Segundo dados preliminares via observação de satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o desmatamento da floresta em julho de 2019 pode ter chegado a 278% na comparação com o mesmo mês do ano anterior. O instituto já havia identificado uma tendência de alta também nos meses de maio e junho de 2019.
A divulgação desses dados teve efeitos políticos. Bolsonaro pôs em dúvida a veracidade das informações, disse que elas precisam antes passar pelo governo e que a forma como são publicadas prejudica a imagem do Brasil no exterior. O presidente então exigiu a saída do chefe do Inpe, Ricardo Galvão, que veio a ser exonerado no início de agosto.
A pressão internacional
Durante sua primeira viagem internacional como presidente da República, Bolsonaro foi em janeiro de 2019 à Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial na cidade de Davos. Na ocasião, ele disse que o Brasil é “o país que mais preserva o meio ambiente” e elogiou o agronegócio brasileiro.
Em junho de 2019, Bolsonaro foi a outro evento de peso internacional: o encontro de líderes do G20, que reúne as 20 principais economias do mundo e aconteceu na cidade japonesa de Osaka. Às vésperas da reunião, os líderes da Alemanha e da França deram declarações públicas sobre a política ambiental do Brasil sob Bolsonaro.
“Vejo com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro [na questão ambiental]. E a oportunidade será utilizada, durante a cúpula do G20, para falar diretamente sobre o tema, porque eu vejo como dramático o que está acontecendo no Brasil”
“Se o Brasil deixar o Acordo de Paris [sobre mudanças climáticas], não poderíamos assinar um acordo comercial com eles. Por uma razão simples: estamos pedindo que nossos produtores parem de usar pesticidas, estamos pedindo que nossas empresas emitam menos carbono, e isso tem um custo competitivo. Então não vamos dizer, da noite para o dia, que vamos permitir a entrada de produtos de países que não respeitam nada disso”
Em meio às repercussões políticas das críticas de Merkel e Macron, o Mercosul — do qual o Brasil faz parte — e a União Europeia firmaram um amplo acordo comercial que vinha sendo negociado havia duas décadas.
O documento também estipula normas para o desenvolvimento sustentável e condiciona o texto ao cumprimento do Acordo de Paris, firmado em 2015 e que determina metas para frear o aquecimento global. Durante e depois da campanha, Bolsonaro sinalizou que poderia abandonar o acordo climático, intenção que foi oficialmente abandonada agora. O governo francês também disse que o Brasil precisa seguir metas de redução do desmatamento para o acordo comercial começar a valer.
Em resposta às falas de Merkel e Macron, o presidente brasileiro disse que os dois “não têm autoridade” para discutir a temática ambiental e são de um continente que devastou as próprias florestas. Segundo Bolsonaro, seus antecessores no cargo não conversavam “de igual para igual” com líderes globais e foram coniventes com uma imagem negativa do país no exterior na área do meio ambiente.
O lado econômico
Ambientalistas brasileiros costumam indicar o risco econômico de um desmatamento acelerado, pois veem no mercado europeu um rigor quanto à origem dos produtos importados e ao impacto ambiental no processo. Assim, seria também do interesse direto dos empresários e produtores ter uma conduta de preservação ambiental. O acordo recente entre o Mercosul e a União Europeia dá força a esse argumento.
Em junho de 2019, a empresa sueca Paradiset, que é a maior rede de varejo de produtos orgânicos da região da Escandinávia, anunciou um boicote a produtos brasileiros, como resposta à política ambiental do governo Bolsonaro.
Financeiramente, essa medida da rede sueca tem impacto insignificante nas exportações brasileiras, mas existe um prejuízo simbólico à imagem dos produtos nacionais no exterior e o potencial de inspirar novos boicotes.