A chapa Frente de Todos, oposicionista e de esquerda, encabeçada por Alberto Fernández (presidente) e Cristina Kirchner (vice), venceu as primárias realizadas neste domingo (11) na Argentina, com 47,6% dos votos.
A chapa de direita Juntos por el Cambio (Juntos pela Mudança), encabeçada pelo atual presidente, Mauricio Macri, que busca a reeleição, ficou em segundo lugar, com 32% dos votos válidos.
A diferença entre eles é de mais de 15 pontos percentuais. A margem supera todas as projeções feitas anteriormente e, se mantida ou ampliada, liquida a eleição presidencial de 27 de outubro já no primeiro turno.
Outros quatro candidatos atingiram o percentual de 1,5% dos votos necessários para seguir na disputa. Seis candidatos não atingiram o coeficiente e estão fora. Os resultados correspondem ao conteúdo de 92,8% das urnas apuradas.
Resultados

Como funcionam as primárias
As Paso (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias) foram criadas em 2009 na Argentina para diminuir o número de candidatos à Presidência. Só aqueles que obtêm 1,5% dos votos nessa fase podem seguir adiante.
Assim como na eleição propriamente dita, o voto é obrigatório também nas primárias. Portanto, seu resultado é visto como uma projeção realista do que pode vir a ser o primeiro turno.
Além de votar para presidente em 27 de outubro, os eleitores argentinos renovarão ainda 130 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados e 24 dos 72 senadores.
Projeção de vitória no 1º turno
A margem de vantagem que a chapa oposicionista conquistou nesta primária seria suficiente para liquidar a eleição presidencial sem necessidade de um segundo turno - que, caso haja, se daria no dia 24 de novembro.
Isso ocorre porque, pela legislação eleitoral argentina, é declarado vencedor o candidato que obtiver 45% dos votos no primeiro turno ou 40% mais uma vantagem de dez pontos percentuais para o segundo colocado.
A força do kirchnerismo
Caso o resultado das primárias seja repetido ou ampliado no primeiro turno, os argentinos estarão conduzindo de volta ao poder Cristina Kirchner, que, entre primeira-dama (2003-2007) e presidente (2007-2015), passou 12 anos na Casa Rosada, sede do Executivo argentino.

Agora, ela colocou-se como candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Alberto Fernández, veterano na política local tido como “camaleão ideológico”, por bascular da direita à esquerda desde os tempos de estudante.
Cristina é investigada em casos de corrupção e teve ordem de prisão preventiva decretada pela Justiça em dezembro de 2017. Entretanto, como senadora, ela tem imunidade parlamentar. Para ela, trata-se de uma perseguição política movida por meio dos tribunais.
No auge do kirchnerismo, o marido de Cristina, o presidente Néstor Kirchner (2003-2007), construiu uma aliança de forte coloração ideológica com outros presidentes de esquerda em países como Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai, Brasil e, em menor medida, com Chile, Peru e Uruguai.
Esse movimento, que se autodenominava “bolivarianista”, terminou com o pêndulo político movendo-se à direita recentemente. Uma vitória da chapa da qual Cristina faz parte agora pode soar como uma tréplica de uma esquerda sul-americana até então acuada.
Ao mesmo tempo, se confirmada, a vitória da chapa Frente de Todos significará também um revés para a direita argentina e sul-americana, que viu na ascensão de Macri, quatro anos anos atrás, um modelo de gestor liberal, apesar dos resultados negativos que o país apresenta agora.
Kirchner e Macri têm em comum o fato de contribuírem para o mau desempenho da economia argentina - cujo PIB cresceu 0,5% entre 2012 e 2018 e a dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) chega a US$ 57 bilhões, embora os dois digam ter receitas diferentes para tirar o país do labirinto econômico em que se encontra.
O compromisso de Bolsonaro com Macri
Outra projeção possível a partir dos resultados da primária deste domingo (11) diz respeito ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro fez campanha aberta por Macri.
Em entrevista ao jornal argentino El Clarín, em julho, Bolsonaro disse que “a Argentina tem tudo para decolar com a reeleição de Macri”. Já com uma eventual vitória da chapa de Cristina, o país “terá seríssimos problemas”, opinou o presidente brasileiro.
Rusgas entre os dois governos não interessariam à economia de nenhum dos dois países. A Argentina é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. Os dois países juntos têm cerca de dois terços do território, da população e do PIB da América do Sul. O comércio bilateral chegou a US$ 26 bilhões em 2018, com um superávit de US$ 3,9 bilhões para o lado brasileiro.
João Paulo Charleaux é repórter especial do Nexo e escreve de Paris.