O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusa Michel Temer de ter cometido o crime de corrupção passiva no exercício da Presidência. O centro da denúncia, apresentada ao Supremo Tribunal Federal na segunda-feira (26), é a relação mantida entre Temer e o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS.
Mas há outros crimes, que não constam da denúncia, atribuídos ao presidente da República a partir das delações premiadas dos proprietários e executivos da maior processadora de carnes do mundo e maior doadora eleitoral do Brasil. São eles obstrução de Justiça e organização criminosa. Essas suspeitas serão, possivelmente, alvo de uma nova denúncia de Janot.
O que há na denúncia contra Temer
Janot afirma que Temer recebeu, por intermédio de seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) propinas de R$ 500 mil de Joesley Batista, um dos donos da JBS. O valor era apenas a primeira parcela de uma série de pagamentos prometidas por Joesley em troca de favores à J&F, controladora do grupo JBS.
Além dos depoimentos de delação premiada de Joesley e de outros seis delatores da JBS, a denúncia se baseia: em gravações de conversas feitas pelo empresário e pelo diretor da JBS, Ricardo Saud, com Temer e Loures, entre março e abril de 2017; em trocas de mensagens de celular entre Joesley e Loures; em grampos telefônicos; e nas imagens da entrega de uma mala com R$ 500 mil a Loures.
As acusações de Janot
Interesses da JBS
Janot procura demonstrar na denúncia que Temer e Joesley mantinham relação de proximidade, e que Loures era o indicado do presidente para intermediar assuntos de interesse da JBS. Para isso, o procurador-geral destaca o encontro entre o presidente e Joesley tarde da noite, em 7 de março de 2017, no Palácio do Jaburu, residência oficial de Temer, fora da agenda oficial.
Contrato como contrapartida
O caminho do crime praticado por Temer, segundo Janot, está relacionado a um contrato de compra de gás natural, fechado por uma das empresas de Joesley com a Petrobras, em abril de 2017 — o contrato foi desfeito pela estatal quando a delação da JBS veio à tona. Segundo a acusação, Loures recebeu o aval de Temer para acionar o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e assegurar que a negociação atendesse aos interesses do grupo de Joesley.
Acerto da propina
Em retribuição ao contrato, Joesley prometeu pagar 5% do valor do lucro do negócio, ao longo de nove anos. O acerto, de acordo com a denúncia, fica comprovado pelas conversas gravadas e pelos grampos telefônicos, nos quais Loures se apresenta como um emissário de Temer e trata de valores com Joesley e com o diretor da JBS.
R$ 38 milhões
era o valor a que poderiam chegar os pagamentos de Batista a Temer, segundo a denúncia de Janot
Primeiro pagamento
Janot anexou à denúncia as imagens do dia em que Loures recebe uma mala com R$ 500 mil, em espécie, em uma pizzaria em São Paulo, no fim de abril. O ex-assessor foi preso dias depois e entregou o dinheiro à Polícia Federal.
Quem é acusado
Temer e Rocha Loures são acusados pelos crimes de corrupção passiva, quando alguém pede ou recebe vantagem indevida. A pena prevista é de 2 a 12 anos de prisão e pagamento de multa.
R$ 10 milhões
é o valor da multa aplicada a Temer, solicitada por Janot
Quem está fora da denúncia
Joesley Batista e Ricardo Saud praticaram os crimes de corrupção ativa, mas, como parte do acordo de delação premiada, não serão denunciados nem punidos.
A defesa do presidente diz que a acusação não está “calcada em fatos concretos” e nega que o peemedebista tenha praticado qualquer conduta que seja enquadrada como corrupção. Em outras ocasiões, Temer afirmou que Joesley relata esses fatos somente com objetivo de justificar o acordo de delação premiada e, assim, ficar livre de punições.
Novas denúncias pela frente
A delação da JBS é a base para uma série de investigações em curso na Polícia Federal que atingem não somente a Temer, mas também levantam suspeitas contra integrantes do PMDB e resultou na denúncia contra o senador afastado Aécio Neves (PSDB).
No caso de Temer, além do episódio relacionado ao pagamento de R$ 500 mil, a Polícia Federal tem outras suspeitas que estão sob investigação e podem resultar em futuras denúncias.
Silêncio de Cunha
Ficou fora da primeira denúncia a suspeita de que Temer autorizava o pagamento de uma mesada ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em troca do silêncio dele na Lava Jato. Com base nas gravações feitas por Joesley, a Polícia Federal diz estar claro a tentativa do presidente de atrapalhar as investigações. O relatório da polícia foi entregue ao Supremo nessa segunda-feira (26). Janot terá cinco dias para apresentar a denúncia contra Temer, neste caso pela prática de obstrução de Justiça. A defesa do presidente nega e diz que as provas não têm valor algum.
Corrupção no Porto de Santos
Janot pediu a abertura de uma terceira frente de investigação contra Temer por suspeitas de corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro decorrentes da edição de um decreto presidencial, em maio de 2017, que mudou as regras para o setor de portos. A Procuradoria afirma ter indícios de que Temer autorizou a inclusão de normas que beneficiaram a empresa Rodrimar, que atua no porto de Santos, litoral paulista. Não fica claro até o momento o que Temer teria recebido em troca. A Rodrimar já foi investigada anos atrás por suspeitas de envolvimento em um esquema de pagamento de propina em Santos.
Agora, a suspeita se baseia em conversas telefônicas grampeadas pela Polícia Federal no decorrer das investigações sobre a JBS, nas quais Rocha Loures trata do decreto com um assessor presidencial, com o próprio Temer e um representante da Rodrimar. A assessoria da Presidência afirmou que os termos do decreto foram debatidos publicamente e, portanto, não houve irregularidades.
O que não será alvo de denúncias agora
Os delatores mencionaram outros casos em que Temer intercedeu em favor da JBS, em 2014, quando ele era vice-presidente da República. Em um deles, o diretor Ricardo Saud disse ter pago R$ 15 milhões como propina relativa a contratos do grupo com o BNDES. Parte do dinheiro foi paga como doação oficial ao PMDB e R$ 1 milhão a Temer. Esse valor foi entregue, segundo Saud, na sede da Argeplan, empresa de um amigo do peemedebista, coronel João Batista Lima e Filho.
Esses atos, no entanto, não podem ser investigados porque se referem a fatos ocorridos quando Temer não era presidente. Pela Constituição, o chefe do Executivo só pode responder por atos cometidos no exercício da Presidência. Apenas quando Temer deixar o cargo, o Ministério Público Federal poderá denunciá-lo. É o mesmo que ocorre com as citações a Temer em procedimentos da Lava Jato, como os inquéritos relativos às delações premiadas da empreiteira Odebrecht, por exemplo.