O Brasil abriga atualmente 0,013% dos 65,3 milhões de refugiados do mundo. O percentual ínfimo é um reflexo principalmente da condição geográfica do país - distante fisicamente dos grandes conflitos armados atuais.
Essa participação tão pequena levanta questões sobre como o país lida com vítimas de situações de vulnerabilidade em seu próprio entorno, principalmente em relação os haitianos - que, em 2015, foram os maiores solicitantes de refúgio por aqui, com 48.371 pedidos. Para esses casos, o país aplica uma política humanitária peculiar, chamada “visto humanitário”.
Qual a diferença entre um status e outro
O refúgio é regido por uma convenção internacional de 1951. O visto humanitário é regido por leis brasileiras, como a Resolução Normativa nº 97, de 2012, (para os haitianos) e a Resolução Normativa nº 17 de 2013 (para os sírios).
O refúgio é aplicado a pessoas que deixam seus países de origem sob fundado temor de perseguição ou em situações de conflito armado.
O visto humanitário pode ser aplicado a essas mesmas situações, mas também a vítimas de crises econômicas e ambientais - categorias não contempladas no refúgio.
Quem recebe o visto humanitário
O Brasil começou a aplicar o visto humanitário aos haitianos em 2012. Como eles chegavam ao Brasil fugindo principalmente das consequências humanitárias de um terremoto, o Itamaraty e o Ministério da Justiça criaram essa categoria especial de proteção, que não era refúgio, mas também não era a simples aplicação dos vistos tradicionais de turismo (que tem curta duração), de estudo (que requer vinculação com universidades) e de trabalho (que requer vínculos empregatícios).
Em setembro de 2013, esse visto também foi estendido aos sírios. Eles podem solicitar o visto humanitário nas embaixadas brasileiras localizadas nos países vizinhos à Síria. Quando chegam no Brasil, trocam esse visto pelo status de refugiados, uma vez que a Síria está há cinco anos em guerra, ao contrário do Haiti.
Em 2015, o Brasil recebeu 28.670 solicitações de refúgio. Esse número representa um crescimento de 2.868% em relação a 2014. Desse total, apenas 8.493 refúgios foram concedidos e 4.425 foram indeferidos.
“A lei [brasileira] – assim como a Convenção [de 1951]– não prevê desastres e outros fenômenos naturais como fatores causadores de refúgio. Ou seja, há, antes de tudo, um impedimento legal para que os haitianos sejam reconhecidos como refugiados – especificamente os que apresentam pedidos de refúgio referentes ao terremoto”
Visto humanitário não está livre de críticas
Deisy Ventura, professora de Relações Internacionais da USP, explicou ao Nexo que “o visto humanitário é um antídoto contra a precariedade e a chamada clandestinidade”, uma vez que muitos haitianos chegavam ao Brasil inicialmente por rotas ilegais através da América Central e do Peru.
A partir da instituição do visto, o solicitante agora parte do Haiti com a autorização de entrada no passaporte e, por isso, pode vir por via aérea, por exemplo. “A grande importância do visto humanitário é evitar a situação migratória irregular, que é geradora de precariedade na partida, no percurso, na chegada e na permanência da pessoa e de sua família no Brasil”, diz Deisy.
Apesar desse lado positivo do visto humanitário, ela faz um alerta. Esse instrumento não pode ser usado pelo Brasil para substituir a concessão de refúgio a quem tem direito no Haiti. “Caso exista uma recusa automática de refúgio para qualquer nacionalidade estaríamos diante de uma ilegalidade flagrante. A cada caso, a cada pessoa ou família, é preciso verificar se o solicitante de refúgio corresponde a uma das hipóteses da Lei”.
A justificativa brasileira para conceder vistos humanitários e negar refúgio aos haitianos tem como base a Resolução Normativa do CNIg nº 97/2012, que atribui essa onda migratória “ao agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010", sem fazer menção à situação de violência que faz com que a ONU mantenha forças de paz no país.
Número de refugiados é recorde em 2015
De cada 113 pessoas da Terra, 1 está solicitando refúgio neste momento. O número total supera a população de países como do Reino Unido, da França ou da Itália.
65,3 milhões
É o número de pessoas que se encontravam deslocadas por conflitos armados no mundo todo até dezembro de 2015
10%
Foi quanto esse número cresceu na comparação de 2015 com 2014
Três razões para o crescimento:
- Conflitos mais persistentes, como no Afeganistão e na Somália
- Emersão de novos conflitos de grande impacto, como na Síria, em 2011
- Indefinição nas políticas de proteção a populações vulneráveis
Os dados constam no relatório anual publicado nesta segunda-feira (20) pelo Ancur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), com a compilação de informações repassadas por governos do mundo todo.
Os nomes e seus significados
Solicitante de refúgio
O termo se refere a pessoas que, alegando fundado temor de perseguição, solicitam abrigo num país estrangeiro
Refugiados
São os solicitantes de refúgio que recebem resposta favorável e passam a residir num país de acolhida
Deslocados
São pessoas que fogem de conflitos e perseguições, mas não ultrapassam as fronteiras do próprio país
A maioria dos casos está ligada a contextos de guerra. Síria (4,9 milhões), Afeganistão (2,7 milhões) e Somália (1,1 milhão) respondem, juntos, por mais da metade de todos os deslocamentos forçados no mundo.
Cenário mundial

Chegando no Brasil

Mais pobres arcam com a conta
Embora a Europa esteja em evidência pelo afluxo de refugiados, quem mais arca com o peso desse fenômeno são os países mais pobres. A Turquia é o país que mais recebe refugiados no mundo, em números absolutos (2,5 milhões). Quando se divide o número de refugiados pelo número de moradores do país de acolhida, quem lidera é o Líbano (183 refugiados por mil habitantes). E quando o número de refugiados é comparado com o PIB do país de acolhida, quem lidera é a República Democrática do Congo (471 refugiados por cada dólar do PIB per capita).