Ando pelas calçadas por desperdício. Vesti pérolas falsas e rendas, contudo sou gasta entre ascensoristas, professores universitários e jornaleiros. O dia cinza faz-me pensar no amor. E o que será o amor nos tempos da câmera? Entro no banco para pagar contas que não foram aceitas no débito automático, despeço-me de todos meus metais em uma caixinha, sou inteira plástico e bijuterias. O olho repara nos cabelos arrepiados, ainda impregnados de sonhos e do lençol quente, larguei-os cedo demais como mães a deixarem os filhos com a televisão. A máquina segue-me. Entretanto, nem a câmera repara ao certo no desperdício de minha beleza bem maquiada para uma manhã de quarta-feira. Vira-se para o outro lado e meneia a cabeça com automatismo. Não há saldo suficiente para as contas, não tem problema, obrigada.
Apaixonei-me duas vezes na vida. A primeira foi aos 24 anos, um pouco tarde e por isso mais letal: considere-se, é uma virose – quando contraída por crianças, sara rápido e deixa marquinhas denunciadoras de charme e personalidade; caso contraída por adultos, adquire resistência e deforma a pele por um tempo. O objeto da paixão era um homem raso, como poderia ser diferente?, o fundamental: tratava-me como um acessório.
Dessa maneira, não houve como resistir — trocamos quilos e quilos de vogais e encontros-arapucas por e-mail, evocamos falas de personagens, sovamos dramas minúsculos, tão profundos!, pequenos abismos onde atirávamos pratos na parede. Como pode perceber, de imbecil tinha muito pouco, ou talvez muito, entretanto, não há melhor qualificação para esse primeiro amor antigo que esta. Na realidade, tudo durou uns poucos meses. Adoeci. Coração aos solavancos frente à perspectiva de encontrá-lo. Chorei compulsivamente ante a negativa de sermos felizes para sempre juntos. Considero esse estado uma demência. Ou uma perversidade de comportamento toxicômano.