Foto: Acervo Pessoal

O editor João Carlos Ribeiro Jr. indica cinco livros para compreender a obra de Patrícia Galvão, a Pagu, homenageada pela Festa Literária Internacional de Paraty em 2023

A decisão de homenagear Patrícia Galvão na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) recoloca para debate e celebração a obra desta imprescindível autora. Mesmo as dificuldades inerentes a uma produção fragmentária não refrearam a escolha oportuna das curadoras, que trouxeram uma mulher revolucionária ao centro de um dos mais prestigiados espaços literários do país. Patrícia Galvão é conhecida por seu ativismo político e enérgica inventividade, figurada em pseudônimos e personas fortes, das quais Pagu se tornou a mais emblemática e o nome que a identificou por toda a vida. Entre suas produções, estão desenhos, tiras de jornal, poemas, diários, reportagens, cartas, documentos políticos, peças teatrais, contos e dois romances publicados. Relatos de sua vida também dizem muito sobre o século 20 e o desejo, buscado obstinadamente, de o Brasil superar suas desigualdades e estar à altura de uma modernidade democrática.

Para que conhecêssemos a obra de Pagu, foi necessário, ao longo de décadas, que seus arquivos fossem resgatados, preservados, organizados; que pessoas próximas fossem entrevistadas; que seus passos fossem esquadrinhados. Ela não foi uma autora que pôde contar com uma vida artística e literária confortável, organizada, cumulativa. No entanto, o vigor de sua experiência motivou pesquisadores e familiares a reavivarem seus trabalhos, constituírem obras a partir de fragmentos, narrarem suas odisseias.

Atualmente, sua presença na vida brasileira é percebida em movimentos sociais, institutos de pesquisa acadêmica, grupos teatrais e diversas outras formas de trabalho e expressão coletivas e individuais. Sua memória tem amplo alcance, não é difícil perceber. Assim, para conhecer Pagu, há diversos caminhos. E aqui listamos um possível a partir da leitura de seus livros e de uma obra atual estruturada em suas experiências.

Parque industrial

Patrícia Galvão (Companhia das Letras, 2022)

Romance de frases curtas que expande o projeto modernista ao propor uma estética proletária. Foi publicado originalmente em 1933, sob o pseudônimo Mara Lobo, quando Pagu tinha 22 anos de idade. A obra enfoca a situação das operárias no Brás, um dos bairros que concentrou a nascente indústria paulista. Além de inovações como a busca por um narrador coletivo, a colagem e a formalização das tensões político-partidárias na narrativa, destaca-se no livro um feminismo que já era sensível a questões raciais e de classe.

Autobiografia precoce

Patrícia Galvão (Companhia das Letras, 2020)

Escrito originalmente como uma carta ao jornalista Geraldo Ferraz, com quem se casaria posteriormente, este texto foi iniciado durante o período em que Pagu ficou encarcerada por motivos políticos na década de 1930. Ela faz um balanço de sua vida até então, das experiências amorosas e dos compromissos políticos que a levaram a situações extremas. Difícil sair deste livro sem sofrer impactos emocionais.

A famosa revista

Patrícia Galvão e Geraldo Ferraz (Editora Cintra, 2013)

Escrito em parceria com Geraldo Ferraz e publicado originalmente em 1945, seu texto é caudaloso e com apego a imagens oníricas. No centro de seu enredo está a crítica à estrutura rígida e autoritária da redação de uma revista, na qual trabalham Rosa e Mosci, os personagens principais. A narrativa é uma alegoria dos problemas que ambos criticaram no Partido Comunista Brasileiro de então, especialmente Pagu, que já tinha relatado parte deles na carta que daria vida à “Autobiografia precoce” e também em um outra célebre “Carta de uma militante”, de 1939, na qual explicou seu rompimento com o stalinismo e a aproximação com o grupo trotskista que fundaria o Partido Socialista Revolucionário, de curta duração. Esse é um dos livros mais desafiadores de Pagu, com uma linguagem que presenteia o leitor com diversos achados poéticos.

Pagu vida-obra

Augusto de Campos (Org.) (Companhia das letras, 2014)

O espírito dissidente de Pagu lhe custou muito, inclusive a falta do devido reconhecimento em vida e um longo período de esquecimento após sua morte, em 1962. Daí a importância desta obra ao revelar a prismática e exuberante produção da escritora. Publicada originalmente em 1982, nela há textos dos vários jornais com os quais ela colaborou, reproduções de diários, poemas, testemunhos, resenhas de seus livros, fotografias e entrevistas. Com esta extraordinária antologia, passou-se a compreender melhor os motivos pelos quais Pagu se tornou essa figura incontornável da vida política e cultural brasileira.

Pagus: Ousadas e insubmissas

Giuliana Bergamo (Editora Funilaria, 2023)

Um livro atual, publicado em 2023, que resgata Patrícia Galvão com criatividade e aprofundamento do significado de seu legado. Giuliana Bergamo, a autora, e as editoras desta obra substantivaram o nome Pagu ao reunirem entrevistas com cinco mulheres. Para definir as entrevistadas, elegeram um “léxico Pagu”, identificado pelos termos “entusiasmo, convicção, determinação, compromisso, revolta, impulso, inquietude, autonomia, vanguarda, disrupção, militância, liberdade, ousadia e insubordinação”. Buscaram atualizar as ideias e temas centrais para Pagu ao escutarem vozes que hoje militam por essas mesmas questões. Assim elas chegaram a Amelinha Telles, Berna Reale, Débora Diniz, Ediane Maria e Lola Aronovich. Temas extremamente relevantes de nosso tempo são abordados e cada uma a seu modo demonstra um forte sentido de permanência naquilo a que Patrícia Galvão dedicou as melhores energias de sua vida.

João Carlos Ribeiro Jr. é editor, e pesquisa a obra de Pagu desde que defendeu o mestrado sobre o romance “Parque industrial”, em 2015. É autor do verbete sobre Patrícia Galvão no livro “Mulheres que interpretam o Brasil” (Contracorrente, 2023).

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