No meu livro “Do vinil ao streaming: 60 anos em 60 discos”, proponho contar um pouco da história da música pop internacional por meio de dez álbuns de cada uma das últimas seis décadas. Faço também análises dos títulos escolhidos e contextualizo os períodos abordados, considerando suas diferentes conjunturas tecnológicas. Meu foco se restringiu aos gêneros e subgêneros da árvore genealógica do pop de predominância angloestadunidense: rock, soul, funk, rhythm and blues, hard rock, heavy metal, punk, pós-punk, new wave, hip-hop, indie, pós-rock, trip-hop e outros. Parto de alguns dos discos mais representativos dos anos 1960, época em que os LPs em vinil de 12 polegadas superaram os compactos de sete polegadas em relevância e vendagens. Depois, passo pelas “bolachas” da década de 1970, era da consolidação definitiva do álbum enquanto produto; em seguida me debruço sobre títulos dos 1980 e 1990, ciclos dominados pelo formato CD, chegando aos anos 2000 e 2010, época das revoluções do MP3 e do streaming.
A pesquisa para este projeto demandou a leitura completa e/ou a consulta de mais de 50 livros. Neste processo, foi interessante constatar a diversidade de enfoques existentes nos ramos da pesquisa e da crítica musical. Claro, a investigação básica sempre tende a começar pelas biografias dos artistas abordados (não deixe de ler, por exemplo, a sublime “I’m Your Man: a vida de Leonard Cohen”, de Sylvie Simmons). Mas eu gostaria de aproveitar este espaço para recomendar cinco livros que foram escritos com metodologias e objetivos distintos entre si, e que não são biografias. Todos abordam música pop internacional e foram bastante úteis para a redação do meu livro.
Mate-me por favor: uma história sem censura do punk
Legs McNeil e Gillian McCain (trad. Lúcia Brito, L&PM, 1997)
Principal referência documental sobre as cenas protopunk e punk de Nova York, o livro do estadunidense Legs McNeil e da canadense Gillian McCain é um excelente exemplar de “história oral”. Não há uma narração em terceira pessoa, e o relato se conduz apenas com trechos de entrevistas dos personagens . É essencial, portanto, que os entrevistados sejam de alto nível, que as conversas rendam e que a edição seja impecável. “Mate-me por favor” cumpre todos esses requisitos, trazendo episódios preciosos envolvendo figuras como Lou Reed, Iggy Pop, David Bowie, Patti Smith, Ramones e muitos outros, além de dados e opiniões de gente que testemunhou todo aquele agito.
Como a música ficou grátis
Stephen Witt (trad. Andrea Gottlieb, Intrínseca, 2015)
Uma linha do tempo detalhada da evolução dos diferentes formatos de reprodução musical ao longo de várias décadas. O trabalho do inglês Stephen Witt desemboca numa grande e minuciosa reportagem sobre as origens da pirataria musical física e sobre como esse fenômeno, associado ao desenvolvimento da tecnologia do MP3, promoveu uma hecatombe na indústria fonográfica. Um verdadeiro thriller de não ficção que ajuda o leitor a compreender como chegamos ao reinado do streaming.
31 canções
Nick Hornby (trad. Lúcia Helena Schaefer de Brito, Rocco, 2003)
Memória afetiva combina muito com música e faz parte da fórmula do meu livro. Desfrutamos dela em fartas doses na obra do inglês Nick Hornby, a começar pelas adoráveis listas pop criadas compulsivamente por Rob, o protagonista de seu livro “Alta fidelidade” (1995). Mas foi em “31 canções” que Hornby se entregou de corpo e alma à prática afetiva-sonora, explicando as diferentes razões que o levaram a selecionar as músicas enumeradas no título. O resultado traz momentos muito emocionantes, como quando ele revela que “Puff the Magic Dragon”, gravação do cantor jamaicano Gregory Isaacs, foi a primeira a gerar uma resposta mais contundente de seu filho autista. E, claro, como estamos falando de Nick Hornby, há também muito humor envolvido.
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band: Um ano na vida dos Beatles e amigos
Clinton Heylin (trad. Patricia De Cia e Marcelo Orozco, Conrad, 2007)
Acho muito interessante o recorte dado aqui pelo inglês Clinton Heylin, um dos mais renomados escritores e biógrafos da esfera musical. Heylin definiu um escopo temporal como critério para a sua pesquisa. Ou seja, ele não só destrincha tudo sobre o ano em que os Beatles trabalharam em seu álbum mais famoso, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, como também investiga o que estavam aprontando os contemporâneos da banda de Liverpool naquele mesmo período. Assim, o livro mostra o quão espetacular foi o intervalo 1966-1967 para a música de forma geral e serve como um prato suculento para quem esquadrinha a obra de outros grupos como Beach Boys e Pink Floyd. Aliás, dou aqui um pequeno spoiler: não escolhi “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” como representante dos Beatles no meu livro.
Rip It Up and Start Again: Postpunk 1978-1984
Simon Reynolds (Faber & Faber, 2005)
Eu lamento que este livro não tenha sido traduzido e editado no mercado brasileiro. Quem desejar lê-lo precisará fazê-lo, portanto, em inglês, espanhol ou noutro idioma. Mesmo assim, não posso perder a oportunidade de recomendá-lo, já que é possivelmente o melhor estudo que já li sobre uma época específica da música. O inglês Simon Reynolds é um craque na contextualização sociopolítica dos movimentos musicais e um perito no ofício de identificar as nuances estéticas formativas de cada subgênero catalogado. Reynolds possui também o dom almejado por qualquer pessoa que se aventura na escrita musical: a capacidade de descrever sons de forma convincente. Também indico a leitura de “Rip It Up and Start Again” porque creio que os anos do chamado pós-punk estão entre os mais ricos de toda a cronologia pop.
Daniel Setti, nascido em São Paulo em 1978 e residente em Barcelona desde 2006, se dedica à música há quase três décadas, atuando como jornalista, DJ, produtor de conteúdo, curador e baterista de bandas como Jumbo Elektro e Elora. Também acompanhou Elza Soares e Guru e ajudou a fundar o selo Reco-Head. Trabalhou no site da MTV e na revista Veja São Paulo e colaborou com diversos veículos, entre os quais Folha de S.Paulo, Piauí, Quatro Cinco Um, Rolling Stone e Trip. Publicou mais de 100 listas pop inusitadas no blog Lá Vem o Mala da Lista. Do vinil ao streaming: 60 anos em 60 discos, que acaba de ser publicado pela Autêntica Editora, é o seu primeiro livro.