O desejo é um trovão, batida de carro, acidente. Ele acontece, é um fato. Em algum momento da vida seremos acometidos por algum desejo: por outra pessoa, uma vida diferente, um amante, um emprego, um filho, pelo desejo em si. Vivemos toureando vontades e atravessamentos, o que muda, talvez, seja a forma com que lidamos com eles. Se vamos acatar, ou mudar de rumo.
Podemos fingir não ver o desejo, embora ele tome o corpo de assalto. Podemos decidir racionalmente, com pompa e circunstância, deixar o desejo quieto, mas uma coisa eu garanto, ninguém passa impune por ele.
“Por afrontamento do desejo, insisto na maldade de escrever” diz Ana Cristina Cesar, poeta que desejei tanto ler, e por vezes me assemelhar. Desejar é sina, tema de muitos dos meus escritos, e de alguns dos meus livros preferidos. Se você também sofre de desejos, aconselho um dos livros a seguir. Para caminharmos juntos com corações inquietos, toureando ou acatando vontades.
Sarah é isso
Pauline Delabroy-Allard (Trad. Raquel Camargo, Nós, 2021)
Romance de estreia da francesa Pauline Delabroy-Allard, “Sarah é isso” relata uma paixão fulminante, um encontro irreversível entre duas mulheres que se conhecem numa festa, e mudam o destino uma da outra. Narrado em fragmentos, a obra fisga o leitor até que o livro termine. Uma história quase física sobre o desejo da narradora, que também é sentido por quem lê.
A uruguaia
Pedro Mairal (Trad. Heloisa Jahn, Todavia, 2018)
Romance de Pedro Mairal, “A uruguaia” é uma história cínica e bem-humorada de um casamento atravessado pelo desejo por uma terceira pessoa, e as projeções que criamos em relação ao outro quando não dividimos a casa e nem conhecemos a intimidade de alguém. Um recorte interessante sobre casamento, fidelidade e família.
Suíte Tóquio
Giovana Madalosso (Todavia, 2020)
Giovana Madalosso escreve sobre uma pluralidade de vontades neste livro. A paixão febril dos inícios, a vontade de viver outra vida, de pertencer a outra realidade, de ter um filho. “Suíte Tóquio” conta a história de uma babá que sequestra a criança pela qual é responsável, entrecortada pelo relato da mãe da menina, uma produtora executiva que vive um caso de amor com outra mulher.
Maternidade: Um romance
Sheila Heti (Trad. Julia Debasse, Companhia das Letras, 2019)
Este livro trata sobre a decisão de ser ou não ser mãe. Sobre querer optar pela maternidade, mas lidar com um relógio biológico que não bate, ou não convence. Sobre desejar querer, e os questionamentos que uma decisão tão definitiva pode causar. Um livro importante sobre o desejo da maternidade, ou o assombro da falta dela.
Stoner
John Williams (Trad.Marcos Maffei, Rádio Londres, 2015)
O romance de John Williams narra a trajetória de um homem cujas conquistas acontecem quase por acaso. Um livro sobre a vida cotidiana, os dias que se sucedem sem sonhos. Mas até mesmo William Stoner, protagonista que deixa a vida caminhar sem grandes acontecimentos, não passa impune por um desejo que atravessa sua vida trivial. Um baita livro.
Paula Gicovate é escritora e roteirista. Bacharel em formação de escritor pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Como escritora, tem quatro livros publicados: os romances “Notas sobre a impermanência” (Faria e Silva) e “Este é um livro sobre amor” (Guarda-Chuva), este último traduzido e publicado na Espanha, além das coletâneas de contos “Sobre o tudo que transborda” e “D4” (Multifoco). Na TV, escreveu roteiros de programas como “Esquenta” e “Melhores anos das nossas vidas” (Globo), “Desnude” e “Homens são de Marte” (GNT), “Onda boa com Ivete” (HBO Max), “Prazer, Luísa” (Multishow), além de ter criado a série “Só garotas” (Multishow).