Eu, você e todos que têm perdido noites de sono e dias de trabalho com o noticiário somos hoje legião. Não foi por falta de aviso que a maioria dos eleitores brasileiros resolveu levar ao Planalto um inimigo da democracia. Estrago feito, não podemos nos dar ao luxo de ser pessimistas. A perplexidade, que atesta a seriedade do dano, não pode ter o peso de uma fatalidade. E o imobilismo não é, definitivamente, uma opção.
Para tirar o pé do lamaçal de ódio e mentira que nos engolfa, escolhi cinco livros que ajudam a entender, em contextos nacional e internacional, contemporâneo e histórico, porque o Brasil deu no que deu.
A história de um governo que se elege democraticamente para, no poder, esvaziar a democracia é um ardil que ainda espanta, mas não exatamente surpreende. A lista abaixo, acredito, ajuda a ruminar as perdas e sugere formas possíveis de não sucumbir.
Sobre o autoritarismo brasileiro
Lilia Moritz Schwarcz, Companhia das Letras, 2019
Mandonismo, racismo, machismo, patrimonialismo e outros “ismos” que constituem nossa face mais sombria, hoje ostentada pelo capitão, seus filhos, generais e milicianos, digitais ou não, têm suas raízes analisadas com clareza e densidade neste notável livro de intervenção. Didático na medida, sugere leituras e oferece dados para lembrar que, em momentos de crise, uma das principais disputas é pela narrativa histórica.
Ser republicano no Brasil colônia: A história de uma tradição esquecida
Heloisa Murgel Starling, Companhia das Letras, 2018
A partir da história de movimentos de sedição ocorridos entre os séculos 18 e 19, a professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) combina rigor metodológico e estilo envolvente para mostrar o desacerto do Brasil com os ideais igualitários. “Nenhum homem nessa terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”, define frei Vicente de Salvador. Em 1627.
Como as democracias morrem
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt , Zahar, 2018
Os cientistas políticos de Harvard avisaram, amparados por fartos exemplos que começam com Donald Trump, como o flerte com o autoritarismo pode ser uma viagem sem volta. Rejeição das regras democráticas, estigmatização de oponentes, encorajamento à violência e propensão a restringir liberdades civis fazem a tempestade perfeita para a derrocada da liberdade. Tem que ver isso aí.
Como funciona o fascismo: A política do “nós” e “eles”
Jason Stanley, L&PM, 2018
No Tinder ideológico, o Jair dá match em cada um dos aspectos do neofascismo listados pelo professor de Yale: culto a um passado mítico, investimento na propaganda, anti-intelectualismo, mentira, apologia da hierarquia, vitimização do algoz, aplicação de lei e ordem rígidas e seletivas e demonstrações de ansiedade sexual. O líder acima de tudo, sua turma acima de todos.
Desobedecer
Frédéric Gros, Ubu, 2018
Com quanta obediência se faz uma tirania? Quais as fronteiras entre obediência e submissão? As perguntas incômodas propostas pelo filósofo francês, especialista em Foucault, apontam para um libertarismo possível, das pequenas e decisivas insubmissões. Um ensaio revigorante, um elogio das pequenas resistências e da decisão íntima da insurreição em cada ideia, palavra ou gesto.
Paulo Roberto Pires é jornalista e escritor, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutor em literatura comparada pela mesma universidade. Editor da Serrote, revista de ensaios do Instituto Moreira Salles, é colunista da Quatro Cinco Um – A revista dos livros. Organizou “Torquatália” (Rocco), as obras reunidas de Torquato Neto, e “Doze ensaios sobre o ensaio: Antologia serrote” (IMS). É autor dos perfis biográficos “Hélio Pellegrino, a paixão indignada” (Relume-Dumará) e “A marca do Z: a vida e os tempos do editor Jorge Zahar” (Zahar) e dos romances “Do amor ausente” (Rocco, 2001) e “Se um de nós dois morrer” (Alfaguara, 2011).