Tentei misturar lançamentos a outros mais antigos, incluindo um clássico da segunda metade do século 20 — o sempre excelente Saul Bellow. Dei preferência a traduções, ou seja, edições que são encontradas facilmente nas livrarias e que podem ser lidas por todos. Preferi deixar de fora aqueles em inglês, publicados no Brasil ou não, e outros ainda da falecida Cosac Naify, não muito acessíveis em sebos.
Olive Kitteridge
Elizabeth Strout
Não é um romance, mas tampouco é um livro de contos comum: Olive Kitteridge habita uma zona intermediária. Os capítulos, alguns deles publicados separadamente em revistas ao longo de quinze anos, mostram episódios da vida de Olive — uma professora aposentada do Maine — e de personagens próximos a ela. O ponto forte do livro é o modo como apresenta a perspectiva desiludida de uma mulher comum, endurecida, mas não brutalizada, pelo cotidiano. Strout vai de uma festa de casamento a um assalto a um hospital sem perder de vista a unidade. É ideal para quem precisa fazer pausas mais longas entre os momentos de leitura. Publicado no Brasil em 2018, Olive Kitteridge deu origem à minissérie homônima da HBO estrelada por Frances McDormand.
(Companhia das Letras, tradução de Sara Grünhagen)
A república luminosa
Andrés Barba
Um clichê das orelhas de livros diria que esta é uma narrativa que não se pode abandonar até que se chegue ao final. Barba, autor incluído na Granta espanhola, sabe como manter a tensão do início ao fim. Um bando de 32 crianças — arredias, altivas, falando uma língua desconhecida — surge de repente em uma cidade fictícia, muito similar a qualquer cidade da América do Sul. De início, as crianças passam mais ou menos despercebidas, até que sua presença começa a transformar o cotidiano do lugar. As perguntas difíceis propostas por Barba, ou as mais imediatas, são: é correto perseguir e punir quem deveríamos proteger e educar? O que significa educar, e quais os limites? Livro incômodo e brutal.
(Todavia, tradução de Antônio Xerxenesky)
As aventuras de Augie March
Saul Bellow
Este livro pode levar alguém a passar vergonha em público, já que as gargalhadas são inevitáveis. É difícil encontrar um autor mais engraçado do que Bellow, mesmo quando se considera os trabalhos de Céline, Beckett, Bernhard, Pynchon ou Vila-Matas. Este é um romance de formação hilário. Na visão do narrador de Bellow, uma velhinha tem “olhos de águia bolchevique”. Usando um chinelinho felpudo cinza, “um cinza despótico para almas”, a velhinha jogava jogos de tabuleiro “com hostilidade palatal felina e um brilho fulmíneo nos olhos”. Vai seguir assim por setecentas páginas, e haja lenços para enxugar as lágrimas — de riso. Bellow é para rachar o bico ao mesmo tempo em que é um escritor de primeira. O risco é o livro acabar sendo mais divertido do que as próprias férias.
(Companhia das Letras, tradução de Sonia Moreira)
Canadá
Richard Ford
O próprio romance de Ford envolve um deslocamento. Ainda criança, o protagonista tem de fugir para o Canadá para escapar das consquências de um assalto a banco organizado e levado a cabo por seus pais, até então um casal de classe média perfeitamente convencional. A história inusitada do assalto, somada ao período em que o personagem precisa aprender a analisar e a se movimentar no mundo sem o apoio e a orientação de uma família — como em um romance de formação peculiar, uma vez que abre mão do sentimentalismo de um Charles Dickens —, formam uma narrativa original e instigante.
(Estação Liberdade, tradução de Mauro Pinheiro)
A vegetariana
Han Kang
Dividido em três partes, o romance incômodo de Han Kang é outro que não se pode largar até a última página. Uma noite, uma mulher tem um sonho tão perturbador que a leva a parar de comer carne. Os desdobramentos de algo que é, hoje, tão banal, são extremos na narrativa da autora coreana. É aconselhável ler pouco ou nada sobre o livro antes de iniciar a leitura. Ser pego de surpresa é uma parte importante da experiência.
(Todavia, tradução de Jae Hyung Woo)
Camila von Holdefer é crítica literária e colabora com veículos como o jornal Folha de S. Paulo, a revista Quatro cinco um e o Blog do Instituto Moreira Salles