Embora os holofotes se voltem às candidaturas e aos partidos políticos durante períodos eleitorais, o protagonismo desse rito vital à democracia é de outro ator: o eleitorado. Este ano, porém, corremos um imenso risco de os protagonistas desse processo optarem por não exercer seu papel e seu direito ao voto nos 5.570 municípios brasileiros.
O receio do contágio pelo novo coronavírus deve se somar aos motivos pelos quais a participação eleitoral vem caindo ano a ano no país. Tudo indica que o descrédito na política, o ceticismo quanto à integridade dos atores políticos, o sentimento de falta de representatividade e a insatisfação com a própria democracia vêm se ampliando e refletindo na ausência de votantes nas eleições municipais desde 2004. Naquele ano, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a abstenção chegou a 14,22%; no pleito seguinte, em 2008, a 14,5%; em 2012 a taxa foi de 16,41%; mais recentemente, em 2016, atingiu-se o maior índice até então: 17,58% (dados referentes aos primeiros turnos das eleições).
Em 2020, esses números podem atingir patamares sem precedentes em razão da pandemia, e a sociedade civil organizada está preocupada. Reconhecemos, evidentemente, a gravidade da atual crise sanitária e a importância de que os protocolos estabelecidos pelo TSE sejam seguidos à risca por cada cidadão e cidadã ao se dirigirem às urnas. Mas acreditamos que a democracia deva ser encarada como atividade essencial e que votar talvez seja, hoje, a ação mais assertiva ao alcance do cidadão frente aos efeitos da pandemia, uma vez que muitos dos atuais representantes nos deixaram à nossa própria sorte nesses longos meses em que, só no Brasil, mais de 160 mil vidas findaram, vítimas do contágio desenfreado pelo coronavírus.
Embora a afirmação de que a ‘democracia vai muito além do voto’ seja mais que verdadeira, não podemos subestimar a importância do exercício desse direito
Diante da desoladora calamidade sanitária em curso em nosso país, torna-se possível afirmar: neste momento, a maior insegurança reside em se abster e abrir mão da escolha daqueles que conduzirão o combate à pandemia e a suas múltiplas consequências a partir do ano que vem. Ter a chance de eleger novos representantes em tempos de grave crise como a atual é, na realidade, uma enorme e valiosa oportunidade, sobretudo em âmbito municipal, esfera responsável por políticas públicas que afetam tão diretamente nosso dia a dia, inclusive pelo atendimento básico de saúde. Votar em candidaturas efetivamente comprometidas com a vida e com o enfrentamento aos efeitos perversos gerados pelo novo coronavírus parece ser o caminho possível para que finalmente possamos contar com políticas públicas mais consistentes para trilharmos a retomada dos nossos cotidianos de maneira realmente segura.
Desde maio, dezenas de organizações uniram-se na campanha “Eleições Seguras 2020 – Democracia é atividade essencial”, que em suas primeiras etapas lutou pela garantia da realização do pleito de forma suficientemente segura ao redor do país. Agora, o chamado é simples e único: no dia 15 de novembro, vote! Em 2020, mais do que nunca, o exercício desse direito terá um amplo impacto na vida de cada brasileiro, independentemente da sua cidade de residência — afinal, o coronavírus não respeita fronteiras. Nosso futuro como indivíduos e sociedade está em nossas mãos, eleitores e eleitoras. Eleger representantes comprometidos com a vida e o bem-estar social é urgente e vital.
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Por fim, em tempos de francos e frequentes ataques a princípios democráticos no país, o engajamento da sociedade brasileira nos espaços e processos estruturantes do nosso regime democrático passa a ser ainda mais importante. Fomos rememorados que a democracia não está garantida e, portanto, depende de esforços e construções constantes em nosso cotidiano.
Embora a afirmação de que a “democracia vai muito além do voto” seja mais que verdadeira, não podemos, de maneira alguma, subestimar a importância e a centralidade do exercício desse direito arduamente conquistado, fruto da luta de milhares de brasileiros ao longo da história na garantia e consolidação de uma sociedade efetivamente democrática e devidamente representativa. Aliás, ainda estamos distantes do sentimento de satisfação com aqueles que nos representam e, para muitas populações — negras, periféricas, marginalizadas —, a democracia e seus efeitos estão longe de sequer vigorar.
Mas a democracia é incremental, e o único caminho possível para aprimorá-la, aproximá-la e efetivá-la está em construí-la ativamente. Assim como a utopia, ela está no horizonte e exige nosso caminhar. São justamente suas imperfeições que tornam urgentes nossa expressão e nossa voz. Da ampla participação social também depende a legitimidade de qualquer processo eleitoral. Por isso, se a democracia vem sendo colocada à prova pelos líderes políticos, que a sociedade civil a celebre e a exerça com o apreço e a esperança que ela merece. No dia 15 de novembro, coloque sua máscara, passe álcool em gel, leve sua caneta e VOTE!
Ana Claudia Santano é professora do programa de mestrado e doutorado em direito do UniBrasil e coordenadora geral da Transparência Eleitoral Brasil.
Flávia Pellegrino é jornalista, mestre em ciências políticas e integra a secretaria executiva do Pacto pela Democracia.
Igor Pantoja é sociólogo e assessor de mobilização do Instituto Cidades Sustentáveis.
Marcio Black é cientista político e coordenador do programa de Democracia da Fundação Tide Setubal.