Mentiram para mim - e para você também - quando disseram que o empregado público não trabalha. Em uma aula na pós-graduação, o professor Odilon Araújo lançou a seguinte provocação: “uma pessoa com o mínimo de juízo jamais enfrentaria o desafio de ser um gestor público se levasse a sério as responsabilidades do cargo”.
Assim, à primeira vista, pode até parecer contraditório, mas, analisando friamente, é bem por aí mesmo. É uma grande responsabilidade, em todas as áreas. No entanto, vou me concentrar na minha: a comunicação. Ela é o cerne das instituições e, assim como na iniciativa privada, nas organizações públicas é a última a receber investimentos e a primeira a sofrer cortes.
Muito disso encontra explicação na grande confusão em torno do conceito de comunicação pública, um conceito que está em expansão, mas raramente é abordado. Na graduação, em qualquer área, não vemos uma disciplina sequer sobre comunicação pública.
É preciso evitar que a comunicação pública seja utilizada, como tem acontecido, como comunicação política
E por que precisamos falar sobre comunicação pública? Porque ela é uma ferramenta essencial para o fortalecimento da democracia e abrange uma variedade de saberes e atividades. Diferentemente da comunicação política e da comunicação governamental, com as quais é frequentemente confundida e até associada, a comunicação pública é desenvolvida por entidades governamentais e outras organizações públicas, com o objetivo de informar, educar e engajar a população em questões de interesse coletivo. Isso pode envolver diversas técnicas e ferramentas, como a imprensa oficial, relações públicas, produção de conteúdo para mídias sociais e campanhas de conscientização. Em resumo, a comunicação pública se dedica a garantir o direito coletivo e individual ao diálogo, à informação e à expressão.
A Comunicação Pública é tão vital que atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1202/22, referente a ela. A proposta surgiu a partir da Sugestão 19/21 da Associação Brasileira de Comunicação Pública e estabelece diretrizes e regras para os serviços de comunicação pública nos Poderes das esferas federal, estadual, distrital e municipal, nos órgãos autônomos, nas empresas públicas e nas entidades conveniadas.
E por que isso é importante? Para evitar que a comunicação pública seja utilizada, como tem acontecido, como comunicação política, um conceito diferente e que diz respeito ao processo de comunicação desenvolvido por partidos políticos e governos, visando influenciar a opinião pública e alcançar objetivos políticos específicos. Em outras palavras, demarcar o conceito e as diretrizes e estudar e discutir a comunicação pública evita que as estruturas do poder público sejam utilizadas com finalidades políticas e favorece o cumprimento dos princípios da impessoalidade e da moralidade, conforme estabelece o artigo 37 da Constituição Federal.
Como se percebe, a comunicação pública é uma ferramenta importante para fortalecer a cidadania, contribuindo para uma sociedade mais engajada e participativa e estimulando a qualidade do debate público e a construção de um pensamento crítico em relação aos problemas sociais e governamentais.
É urgente que os cursos de graduação incluam a comunicação pública em suas grades curriculares e que as entidades e gestores públicos passem a considerar a comunicação como uma ferramenta para a implementação de políticas públicas e promoção da cidadania, em vez de usá-la para promover carreiras e personalidades políticas. A Associação Brasileira de Comunicação Pública e seus associados estão comprometidos com essa agenda, mas é necessária uma participação mais abrangente. Os Tribunais de Contas, os Ministérios Públicos e todos os profissionais da área de comunicação também devem se unir para garantir que a comunicação na esfera pública seja direcionada para o benefício social e institucional, em vez de ser desviada para outros interesses que não estejam centrados no empoderamento, na valorização e na participação do cidadão.
Lucas Figueredo é jornalista, pós-graduado em comunicação pública e governamental, diretor regional da ABC Pública na Bahia e autor do livro-reportagem “Só por hoje – A luta dos dependentes químicos em reabilitação”.