O Brasil tem mais importância na geopolítica mundial do que a nossa síndrome de vira-lata pressupõe, e é preciso abrir um pouco mais a mente – como indivíduos e brasileiros.
O mundo viveu uma Guerra Fria que dividiu a geopolítica em dois polos, Estados Unidos e União Soviética. Depois disso, um período unipolar, e os Estados Unidos dominaram o mundo. Hoje, vivemos uma nova era. Alguns cientistas a caracterizam como bipolar, e uma nova guerra fria entre Estados Unidos e China. Muitos outros a classificam como multipolar. E, nesse caso, o Brasil, apesar de não estar no pódio, seria uma das potências de destaque.
Somos dotados de um computador extremamente potente: o cérebro. Contudo, ele possui limitações que exigem muita cautela. Por isso, vale lembrar que, como o nosso entendimento de mundo é resultado dos dados que inserimos dentro desta nossa máquina, entender como ela funciona ajuda a selecionar melhor os dados a serem inseridos. E, para se ter uma percepção de mundo mais próxima da realidade, é preciso se alimentar de dados confiáveis. E qualquer dado que nos é apresentado é um convite para ser checado. Por isso, estamos em uma era bipolar ou multipolar?
O segundo convite: o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ultrapassou economicamente o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos). Essas notícias parecem não fomentar nossa brasilidade.
O Brasil tem mais importância na geopolítica mundial do que a nossa síndrome de vira-lata pressupõe, e é preciso abrir um pouco mais a mente
Nós não temos acesso a toda a realidade, mas podemos ter uma visão de mundo mais ampla ao nos conectarmos com outras fontes. Sim, isso dá trabalho e gasta energia – coisa que nosso cérebro não gosta –, mas aumenta nossa chance de nos aproximarmos mais da verdade e nos mostra que nosso ponto de vista não é a realidade. Isso porque a nossa percepção de mundo começa de dentro para fora, a partir de nossas expectativas, crenças e opiniões que influenciam e afetam a maneira como encaramos o mundo.
É como a Alegoria da Caverna, de Platão. A sombra que os prisioneiros viam na parede era apenas uma ilusão, um pedacinho da realidade que se encontrava logo atrás de suas costas. Bastava virar-se para enxergar o mundo.
Para os portadores da síndrome de vira-lata, tudo o que vem dos Estados Unidos parece mais crível e melhor do que aquilo que é feito no Brasil. Mas os norte-americanos, a partir do investimento em diversas áreas, construíram uma forte identidade além de, também, exportá-la para ser admirada e invejada. Músicas, filmes e seriados de Hollywood e Netflix, notícias estão em toda parte do cotidiano de brasileiros.
E, assim, no combate contra outras nações, eles costumam levar a melhor na guerra de informações. Mas algumas culturas têm feito a lição de casa. A Coreia do Sul, por exemplo, tem investimento estatal em produções culturais, como a música (kpop), e milhões da Netflix em doramas.
Somos bombardeados por “notícias” o tempo todo. Mas, repare, muitas delas são apenas volume: pessoas ecoando e repetindo as mesmas informações. Como aprendemos muitas coisas por repetição, ao receber sempre as mesmas informações, não percebemos que elas acabam virando verdades para nós – individualmente ou coletivamente – apenas porque foram insistentemente repetidas.
No caso da geopolítica, ouvimos tantas vezes que somos meros coadjuvantes, que é difícil acreditar que o jogo, na verdade, mudou. Seja bipolar ou multipolar, se o Brasil não fosse relevante no cenário internacional, não estaríamos de volta a ribalta das relações internacionais.
Hoje, a China é uma das grandes potências porque está colhendo os frutos dos seus investimentos, e continua investindo... A Índia, embora com menos recursos, vem trilhando o mesmo caminho, investindo em sua independência tecnológica há praticamente 100 anos - enviando indianos para as melhores universidades do mundo. Por que não, então, defender que o Brasil pode (e deve) ser o país do futuro?
Claudia Feitosa-Santana é neurocientista com pós-doutoramento pela Universidade de Chicago (EUA), doutorado e mestrado pela Universidade de São Paulo. Autora do livro “Eu controlo como me sinto” (ed. Planeta).