No dia 20 de março, foi divulgado o último relatório síntese do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU), onde ficou claro que os esforços em torno das mudanças climáticas devem ser imediatos para que tenhamos um futuro saudável. O relatório aponta, categoricamente, o aumento da concentração de CO2 e de metano na atmosfera nunca registrado. Os impactos das mudanças climáticas, por sua vez, já são atuais, onde quase metade da população mundial – em maioria do hemisfério sul – já vive essa emergência climática.
Coincidentemente, neste mesmo dia 20 de março, aconteceu o seminário “Estratégias do Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI”, promovido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no Rio de Janeiro. Na ocasião, o prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, enfatizou a necessidade de uma transição para uma economia verde e fez duras críticas ao neoliberalismo dos últimos 40 anos, por ser, sobretudo, segregador de riqueza. Tal análise de Stiglitz encontra eco, inclusive, no debate sobre a análise da Curva de Kuznets Ambiental. Segundo essa análise, países desenvolvidos cresceriam na mesma medida que a degradação ambiental, sendo que, após um ponto de desenvolvimento, essa degradação decairia e a riqueza da população continuaria a crescer. No entanto, a crítica sobre essa análise se dá porque as atividades poluentes não deixam de existir, mas se deslocam para outras partes do mundo, mais precisamente para países não desenvolvidos. Nesse sentido, o papel de um ente como o BNDES é justamente no sentido de não promover uma política baseada nessa curva, fomentando para tanto uma economia verde ou, ao menos, mais ambientalmente sustentável.
Curiosamente, ambos os acontecimentos ocorreram em um momento crucial em torno do saneamento básico brasileiro, uma vez que estão em discussão no governo federal alterações legislativas que buscam “desencalhar” investimentos no setor e trazer maior segurança jurídica.
Estão em discussão no governo federal alterações legislativas que buscam desencalhar investimentos para o saneamento básico e trazer maior segurança jurídica
Como é de conhecimento, o setor de saneamento básico é um grande consumidor de energia elétrica. Segundo o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), o consumo de energia elétrica em sistemas de abastecimento de água em 2020 foi de 0,73 kWh/m3, o que representa 12,4 TW/h de consumo total e um aumento de 4,8% em relação a 2019. Apenas para se ter uma ideia do quanto isso representa, o consumo médio de energia elétrica nas residências brasileiras é de aproximadamente 152,2 kWh/mês.
De toda forma, o setor de saneamento já vem trabalhando, ainda que timidamente, em tecnologias inovadoras para trazer maior eficiência energética. Uma das estratégias empregadas pelas empresas prestadoras do serviço de saneamento básico é o aproveitamento do potencial energético dos processos de tratamento de água e esgoto, inclusive de resíduos sólidos, para a produção de energia renovável e sustentável.
No âmbito federal, a título de exemplo, o BNDES já atuou em projetos que podem ser descritos como “verdes”. No caso, sua atuação se deu na concessão de florestas nacionais da região sul (Irati, Chapecó e Três Barras). Isso demonstra a intenção do banco de atuar nessa pauta, bem como um avanço na abordagem desses tipos de projetos, de forma que sua evolução em prol da litigância climática pode ocorrer, futuramente, com a sua ampliação, em consonância com as melhores orientações da ONU.
O que se tem, portanto, é que se o discurso da economia verde evoluir para a prática, vários projetos “verdes” surgirão – principalmente via bancos de fomentos, como o BNDES – com um grande potencial de causar impactos na sociedade e no enfrentamento das mudanças climáticas, inclusive no setor de saneamento.
Luis Ricardo Bernardo Ramos da Silva é mestre em Políticas Públicas pelo Insper/SP e especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade. Advogado no Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.