Foto: Mohammed Salem/Reuters - 7.nov.2022

Negociações do clima: o que esperar da COP27


Processo de construção de consenso leva tempo, mas avanços podem ser obtidos. Os resultados da conferência devem ser considerados em perspectiva

Esperava-se que 2022 fosse o ano da recuperação pós-pandemia, mas a ação militar na Europa chocou a comunidade internacional. Assim, a questão da transição energética manteve-se no centro do debate durante todo o ano. Com a guerra ainda em curso, as posições nas negociações climáticas na COP27, a Conferência do Clima da ONU, que ocorre no Egito, serão influenciadas pelo conflito e suas implicações geopolíticas.

Há grandes mudanças no campo político que influenciam o próximo ciclo de negociações climáticas. Dependentes do gás natural e do petróleo de origem russa, a União Europeia sentiu o risco de graves ameaças à segurança nacional e restrições de fornecimento. Isso desencadeou o aumento no apoio à transição energética por parte da Comissão Europeia, com a aceleração da implantação das novas energias renováveis e do fornecimento descentralizado de energia. Do outro lado do Atlântico, o Inflation Reduction Act (Lei de Redução da Inflação) americano, assinado em agosto, trouxe um pacote de investimentos em clima e energia em larga escala. A legislação direciona US$ 369 bilhões para energias renováveis, contribuindo potencialmente para uma redução de 40% das emissões até 2030, em comparação com os níveis de 2005.

Entre os países emergentes, China e Brasil receberão a maior atenção. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa e não há solução climática real sem uma mudança na economia chinesa. Embora tenha um compromisso de neutralidade climática até 2060, as metas chinesas estão em choque com o seu modelo de crescimento dependente do carvão, com os investimentos internacionais em combustíveis fósseis e a alta procura e uso de recursos naturais. Com o renovado mandato de Xi Jinping, espera-se continuidade e aceleração dos caminhos climáticos. Já em relação ao Brasil, a situação mudou radicalmente com a recente eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. O Brasil estará de volta às negociações e, seguindo sua tradição de diplomacia do ambiente proativa, terá importante participação no debate sobre uso da terra e de florestas, considerando o papel da Amazônia na segurança climática global. Apesar de não ter tomado posse, Lula foi convidado para a COP27 e buscará garantir uma retomada na influência brasileira.

Para os que seguem anualmente as Conferências do Clima, é comum obter dos comentaristas da imprensa conclusões rápidas e pistas ousadas, como “fracasso” ou resultados “insuficientes”. No entanto, um processo de construção de consenso leva tempo e avanços podem ser obtidos. Os resultados devem ser considerados em perspectiva, levando-se em consideração as expectativas iniciais, baseando-se nas condições políticas internas e nas ações efetivamente adotadas.

Há grandes mudanças no campo político que influenciam o próximo ciclo de negociações climáticas. A guerra na Ucrânia, por exemplo, desencadeou o aumento do apoio à transição energética

Um ponto de partida para definir as expectativas para a COP27 é o resultado da conferência anterior. O governo britânico fez um grande esforço político e costurou acordos sólidos. O Pacto pelo Clima de Glasgow endossou a ciência e reconheceu a urgência de enfrentar as alterações climáticas. Ao final, quase 200 países superaram os obstáculos práticos e geopolíticos e escolheram altas ambições, resultando em mais de 90% do PIB mundial coberto por compromissos de neutralidade carbônica, acima dos cerca de 30% em 2019. Ademais, 153 países apresentaram novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), metas de emissões para 2030, o que representa 80% das emissões globais. A Glasgow Financial Alliance for Net Zero anunciou que bancos centrais e instituições financeiras privadas responsáveis por mais de US$ 130 bilhões em ativos alinharão seus portfólios com a neutralidade carbônica. Glasgow também avançou em compromissos debatidos anteriormente, como o Artigo 6 do Acordo de Paris, que cria um mercado internacional de carbono. Portanto, a COP27 não deverá obter aumentos de ambição em novos compromissos climáticos, mas será uma oportunidade instrumental, permitindo novos passos para a implementação.

O foco é, de fato, implementar o que foi acordado. Recentemente, as novas NDCs somaram-se aos compromissos públicos e privados que desvelam-se em uma “babel” de iniciativas climáticas. No entanto, há um longo caminho para converter “o que” está comprometido em “como” as coisas serão feitas. Por exemplo, no Artigo 6.4 do Acordo de Paris, há muitos aspectos operacionais abertos, como novas metodologias, ferramentas de registro, processos de validação de créditos de carbono... Embora acordado politicamente, há muito trabalho técnico para que o novo mercado de carbono de fato entre em operação.

Além disso, a Presidência do Egito propõe dar voz e promover a perspectiva dos países em desenvolvimento. Os efeitos das alterações climáticas são uma realidade crescente em todo o mundo e as medidas de adaptação devem ser acordadas. Assim, será debatido os temas de “Perdas e Danos”, “Financiamento” e “Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia”. O Egito anunciou que quer fazer desta a “COP da África”, mostrando o quanto a maioria dos países africanos serão fortemente afetados pelas alterações climáticas. O Egito também propõe ser o líder africano na diplomacia climática. A ver quanto desta ambição política será efetivamente cumprida.

Paralelamente às negociações diplomáticas, o setor privado terá a oportunidade de apresentar soluções de última geração. O hidrogênio ganha impulso, com altos investimentos planejados e com projetos a passar de pilotos para escala comercial. Além disso, iniciativas de “uso da terra, mudança no uso da terra e floresta”, como conservação, reflorestamento, regeneração do solo e resiliência dos ecossistemas, receberão mais atenção dos desenvolvedores e financiadores de projetos. Além das “promessas tecnológicas”, as soluções baseadas na natureza entraram nas agendas dos governos e do setor privado, incluídas como mitigação e adaptação climática.

Finalmente, as reuniões de Sharm el-Sheikh do Egito irão expor as diferenças entre o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento. As maiores ambições de NDCs atingirão o seu limite e eventualmente cessarão. Mesmo com a nova e acelerada legislação de transição energética, a implantação da mesma não concretizar-se-á da noite para o dia. Portanto, garantir o que foi acordado previamente, desbloquear as obstruções para a efetiva implementação, avançar nos planos de adaptação e evitar retrocessos pode ser um resultado positivo.

Luiz Eduardo Rielli é pesquisador de clima e energia. Doutorando em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável na Universidade de Lisboa, na Universidade NOVA de Lisboa (Portugal) e na Universidade da Ânglia Oriental (Reino Unido).

Flavia Lima é pesquisadora de finanças sustentáveis. Doutoranda em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável na Universidade de Lisboa, na Universidade NOVA de Lisboa (Portugal) e na Universidade da Ânglia Oriental (Reino Unido).

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