O apagão que desde o dia 3 de novembro atinge o Amapá já está inscrito na história brasileira como o maior blecaute ocorrido no país e com consequências que muito ultrapassam o fornecimento de energia elétrica. A situação vivida pela população amapaense é uma tragédia humanitária que atinge diferentes dimensões da vida, reduzindo a dignidade das pessoas a pó.
A falta de eletricidade atinge 13 dos 16 municípios do estado, o que ajuda a compreender o tamanho do caos que se instalou. O cenário é desolador, com famílias inteiras privadas de necessidades básicas, como acesso à água e saneamento básico. Para completar, os moradores têm encarado uma temperatura média de mais de 30º C sem ar condicionado ou ventilador. E tudo isso na companhia de mosquitos.
O comércio foi afetado de diferentes maneiras e com graus diversos de prejuízo para os comerciantes. Além do fechamento de estabelecimentos, houve perda de produtos perecíveis, aumentando o custo de gêneros de primeira necessidade e gerando desabastecimento de outros. No auge do apagão, sacar dinheiro ou usar o cartão de crédito e débito para fazer compras também deixou de ser uma opção para os clientes.
A agonia do povo amapaense ainda teve o reforço proporcionado pela demora das autoridades governamentais e do setor elétrico em apresentarem um plano de emergência para não deixar mais de 90% da população do estado desassistida do serviço de fornecimento de energia elétrica. Quando divulgado, informações como o rodízio e racionamento de eletricidade, por exemplo, não condiziam com a realidade, aumentando a frustração popular com a situação.
Resolver a situação e punir os responsáveis não é apenas um imperativo ético, mas indício de uma nova cultura política na prestação de serviços públicos
Não demorou para que os protestos começassem a agitar o estado, com destaque para a capital Macapá. Barricadas foram levantadas em importantes vias da cidade para exprimir a indignação da população com o prolongado apagão e os diferentes prejuízos acumulados. Houve repressão e há relatos de pessoas atingidas por balas de borracha disparadas pela polícia, bem como de perseguição aos manifestantes após a realização dos atos.
Um olhar mais cuidadoso sobre a situação mostra que o blecaute que castiga o Amapá há quase três semanas não foi um acidente, mas sim fruto de ações e omissões deliberadas do poder público em fiscalizar a prestação dos serviços. Ora, só isso explica o fato de o transformador reserva estar em manutenção desde dezembro de 2019! Relatórios de alguns poucos meses atrás indicavam a fragilidade do sistema elétrico amapaense e, ainda assim, nada foi feito.
É fundamental que as responsabilidades por trás desta tragédia humanitária que assola o Amapá sejam apuradas com a investigação das condutas de agentes públicos e privados envolvidos no blecaute e com punição exemplar àqueles que contribuíram para o caos. É preciso também que os prejuízos acumulados pelo povo amapaense e os danos gerados pela interrupção de energia elétrica sejam ressarcidos, sem prejuízo das demais penalidades nas esferas cível e criminal.
Nosso mandato tomou diferentes iniciativas para minimizar o sofrimento da população amapaense e exigir respostas e reparação pelos danos ocasionados com o apagão. Entramos com ações judiciais que pedem, entre outras coisas, ressarcimento dos prejuízos com a perda de equipamentos elétricos, suspensão das cobranças de luz até a completa resolução do problema, extensão do pagamento do auxílio emergencial e afastamento das diretorias da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).
O objetivo dessas ações é reparar minimamente as perdas e devolver dignidade ao povo amapaense. Sob nenhuma ótica é aceitável o que acontece no estado, especialmente quando lembramos que as fragilidades do sistema elétrico da região eram conhecidas, sem falar na capacidade de produção energética do Amapá: quatro hidrelétricas produzem cerca de 900 MW mensais, quando o consumo no estado gira em torno dos 250 MW por mês.
O blecaute iniciado em 3 de novembro parece longe de acabar. O sistema de rodízio e racionamento de energia elétrica não tem funcionado a contento. E, como se isso não bastasse, no dia 17 de novembro outro apagão atingiu o estado. Resolver a situação e punir os responsáveis não é apenas um imperativo ético, mas indício de uma nova cultura política na prestação de serviços públicos e fiscalização na sua execução. O povo merece respeito à sua dignidade.