No dia 26 de março, o Instituto Butantan anunciou a “Butanvac”: a “1ª vacina 100% brasileira contra covid-19”. A despeito da controvérsia sobre se 100% é 100% mesmo, o orgulho da instituição, e da ciência brasileira por conseguinte, é justo – com efeito, o desempenho do Butantan e de tantas outras partes da comunidade científica, sob condições adversas, tem sido das poucas facetas positivas do combate à pandemia no país. Mas fica a pergunta: o quanto deveríamos tomar o desenvolvimento de produtos “100% brasileiros” como um objetivo de política?
Trata-se de uma questão cuja importância vai além do caso específico da pandemia, de vacinas, ou de saúde pública. À parte o orgulho e a identidade nacional, que bem podem ter valor em si, é preciso ter em conta o quanto a ideia do “100% nacional” promove, ou atrapalha, o verdadeiro objetivo das políticas públicas: a melhoria da vida dos brasileiros.
Pensemos no caso das vacinas. Países como Israel e Chile vêm tendo seu orgulho nacional inflado, com toda razão, pelo seu sucesso no esforço de imunizar suas populações contra o novo coronavírus. Isso se deu mesmo na ausência de uma vacina “100% israelense” ou “100% chilena”. Tais exemplos sugerem que o problema da insuficiente resposta brasileira até o momento não vem da ausência de uma alternativa nacional – não faltam opções no mercado, mas sim competência e decência da parte do governo federal para fazê-las chegarem com a agilidade necessária aos braços dos brasileiros. É perfeitamente possível imaginar que, a continuar a negligência criminosa vista até agora, o governo Bolsonaro será tão pouco efetivo na aquisição e distribuição da Butanvac quanto tem sido em relação às alternativas existentes – talvez inventando alguma desculpa para não comprar a “vacina paulista do João Doria”, ou o que o valha.