Em fins de dezembro, uma notícia tragicômica espalhou-se pelas redes sociais no Brasil: a vacina de Madureira. Camelôs do bairro carioca estariam vendendo, por módicos R$ 50, um suposto imunizante para o famigerado Sars-CoV-2 — com direito a certificado de inoculação, aparentemente. Cômico por pitoresco e trágico pelo grotesco desprezo pela vida alheia que ele manifesta, esse pequeno episódio (ainda que não confirmado) ilustra alguns dos obstáculos de natureza institucional e cultural que entravam o desenvolvimento no Brasil.
No plano mais evidente, a suposta vacina de Madureira emergiria das falhas do Estado brasileiro. De um lado, a aposta de quem distribuiria um produto desta natureza é de que a fiscalização dos órgãos competentes opera de forma deficiente, permitindo-lhes subtrair o que deveria ser o retorno de quem opera dentro da lei. A ausência de ampla proteção aos direitos de propriedade reduz o incentivo ao investimento e à inovação etcetera e tal.
Um pouco menos óbvio, talvez, é que a tal “vacina” é um sintoma da imperdoável incompetência do governo atual em viabilizar a vacinação contra a pandemia que já ceifou a vida de tantos brasileiros, e cariocas em particular. A demanda não suprida por meios seguros (e legais) não desaparece, mas é potencialmente transferida, em parte, para alternativas desse calibre. É importante notar que não se trata aqui de uma ausência de capacidade operacional do Estado — o que a ciência social convencionou chamar de capacidade estatal (state capacity). No exemplo de Madureira, vale a pena perguntar por que não existe — ao menos até onde sei — um mercado similar para uma pseudovacina contra a poliomielite, ou para imitações do coquetel antirretroviral que garante a sobrevida de quem é HIV positivo. A resposta me parece simples: não há demanda, porque o mesmíssimo Estado zelou, ao longo dos anos, pelo bom funcionamento da provisão desses produtos. Isso ilustra que o mau funcionamento, no caso da vacina, é, em última análise, uma escolha de política pública.