Venho há algum tempo neste espaço, talvez sob pena de repetição, advertindo para os riscos que pairam sobre a democracia brasileira nos tempos atuais. Em grande medida, minha percepção sobre a trajetória do Brasil sob Bolsonaro vem carregada de impressões obtidas pelo outro exemplo de populismo de tendências autocráticas que venho acompanhando de perto, aqui nos EUA, sob Donald Trump. Ainda que dois anos à frente, este lamentável experimento de erosão democrática tem o atenuante de a democracia norte-americana ser muito mais consolidada que a brasileira. Assim, a deterioração ainda implicaria, tudo mais constante, um grau comparativamente menos preocupante de risco autoritário.
Tudo isso segue sendo verdade. Mas no contexto atual — em meio ao impacto humano e econômico da pandemia — parece-me que, ainda que na média as perspectivas democráticas estejam mais positivas, com a probabilidade de derrota de Donald Trump, o risco de deterioração extrema também aumentou.
Esse risco tem dois componentes: um conjuntural, relacionado ao comportamento do presidente, e outro estrutural, relacionado ao seu partido. O primeiro advém do fato, hoje incontroverso, de que no cenário atual o candidato democrata Joe Biden é o grande favorito eleitoral. Com os EUA na liderança mundial em casos e mortes por covid-19 e a economia destroçada eliminando o grande argumento sobre o qual se baseava a campanha pela reeleição, não surpreende que as pesquisas indiquem um cenário difícil para o presidente.