A passagem da primavera para o verão do Hemisfério Norte vem sendo marcada, nos Estados Unidos, por dois movimentos: o paulatino afrouxamento das medidas de quarentena (ou “lockdown”) adotadas em resposta à pandemia do coronavírus, e os protestos em massa que se seguiram ao bárbaro assassinato de George Floyd por um oficial de polícia em Minneapolis, mais um da série de mortes que galvanizou o movimento Black Lives Matter.
A princípio esses dois fenômenos parecem distintos, à parte possíveis impactos mútuos no âmbito da saúde pública — embora as evidências iniciais apontem que o temor de que as aglomerações de manifestantes poderiam gerar focos de contaminação parece não ter se confirmado. A meu ver, no entanto, o fato de o país estar saindo da quarentena a despeito de o coronavírus não ter sido derrotado, com centenas de pessoas morrendo todos os dias e agregando a um total de mais de 120 mil mortes, está fundamentalmente relacionado a uma realidade em que algumas vidas — e vidas negras em particular — infelizmente parecem importar menos que outras. O afrouxamento da quarentena e a violência policial, em suma, têm um alicerce em comum.
Os EUA essencialmente desistiram de continuar a luta para trazer o número de novos casos e mortes para perto de zero — algo que, para não mencionarmos exemplos bem-sucedidos como Coreia do Sul ou Nova Zelândia, mesmo a Europa logrou. Tendo conseguido “achatar a curva” e garantir que o sistema de saúde não está em risco de colapso, parece que a sociedade americana está essencialmente pronta para retomar um ritmo relativamente normal.