O reconhecimento crescente da importância do papel do Estado na prestação de serviços públicos e no estabelecimento de uma rede ampla de proteção social em meio à pandemia movimentou o debate sobre o futuro do teto de gastos e da carga tributária brasileira. Ainda que o enfrentamento da crise tenha levado ao relaxamento das regras orçamentárias do governo em 2020, primeiro por meio do decreto de calamidade pública e depois pela aprovação da PEC do orçamento de guerra, as mobilizações para tornar permanente alguma forma de renda básica e ao mesmo tempo preservar ou expandir os recursos disponíveis para outras áreas prioritárias, como a saúde e a educação, batem de frente com o atual regime fiscal brasileiro.
Em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de junho, a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado prevê que já em 2021 o cumprimento do teto de gastos levaria à paralisação da máquina pública: o gasto mínimo estimado para manter a operação dos ministérios e órgãos públicos é de R$ 89,9 bilhões, ante apenas R$ 72,3 bilhões deixados pelo teto para despesas não obrigatórias de acordo com essas projeções. A IFI prevê, portanto, o descumprimento do teto de gastos a partir do ano que vem e o acionamento de gatilhos automáticos que impediriam o reajuste do salário mínimo e de salários de servidores acima da inflação, entre outras restrições previstas no texto da Emenda Constitucional.
No cenário base de acionamento permanente desses gatilhos, o total das despesas primárias do governo federal cairia de 28,4% em 2020 (valor muito superior à média histórica por conta dos gastos com a pandemia) para 18,32% em 2030. A queda mais substantiva seria observada nas despesas com o funcionalismo público, que sairiam de 4,66% do PIB em 2020 para 2,54% do PIB em 2030 de acordo com o relatório. Se levarmos em conta que as despesas com salários de servidores se mantiveram estáveis em relação ao PIB desde 1988, não surpreende que o próprio relatório admita que “esse ajuste pode não ser viável, pois poderia comprometer programas e políticas públicas essenciais”.