Passados mais de oito dias do assassinato de Agatha Felix, ainda está na minha cabeça o desabafo do avô, Aílton Felix, cuja fala eu gostaria de analisar cuidadosamente: "Não foi o filho dele, nem a filha dele, não, foi a filha de um trabalhador. Ela fala inglês, tem aula de balé, tem aula de tudo, era estudiosa. Ela não vivia na rua, não. Agora vem o policial aí e atira em qualquer um que está na rua. Acertou minha neta. Perdi minha neta. Não era para perder ela, nem ninguém".
A fala do senhor Aílton Felix descreve muito bem as estratégias de famílias negras e pobres das comunidades, onde vivem no meio do fogo cruzado. Diferentemente do que famílias de classes privilegiadas possam imaginar, as “favelas” não são conglomerados de meninos e meninas “perdidas”, que vagam pelas ruas, não estudam, não recebem o cuidado e a atenção das suas famílias e que, de uma forma ou de outra, não terão serventia alguma para a sociedade.
Desde sempre, pessoas negras e pobres entenderam que a educação seria o caminho para a vida mais digna dos seus filhos e filhas. A falta de herança e de parentes influentes, o fato de não fazerem parte de uma poderosa rede de relações que podem, com um telefonema, garantir empregos bem remunerados, fez com que pais e mães pobres, assim como tias, vizinhas e avós, repetissem, geração após geração, que estudar é fundamental para “ser alguém na vida”.