“Enquanto a esquerda branca acha que faz revolução e acha que sabe o que é ser preto favelado por ir pro Circo Voador cantar ‘Eu vou pro baile da gaiola’, eu não posso ir para casa almoçar porque no caminho posso tomar um tiro de um caveirão voador. Mais uma tarde de horror que a gente espera que dure o mínimo possível e derrame o mínimo de sangue (negro e favelado). Existem níveis de existência e reflexão que solidariedade nenhuma proporcionam, só a real vivência mesmo”.
Publicado por uma estudante de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o texto coloca em primeiro plano as violências experimentadas pela juventude negra e favelada que acessa as universidades públicas brasileiras. Violências de ordem prática que mostram o quanto estamos longe de alcançar uma cidade que seja, de fato, para todas as pessoas. Violências também da ordem da “episteme”, ou seja, de relações de saber-poder instituídas, que confinam determinados sujeitos à condição de objetos, se quisermos usar um conceito de Michel Foucault.
Essa violenta narrativa do tempo presente remeteu-me à situação absurda de expedição de mandado de prisão para Rennan da Penha. Criador do Baile da Gaiola, um dos eventos de funk mais famosos do Rio de Janeiro, o rapaz é acusado (com mais dez pessoas) pelo crime de “associação” e “olheiro” do tráfico de drogas. A fragilidade das provas (uma testemunha aponta o jovem como “DJ dos bandidos”) que geraram o mandado evidencia um problema que persiste na história do Brasil. A perseguição a pessoas que, com inteligência e habilidade, ousam escrever a própria história e a dos grupos em que se inserem. Pessoas que dão um drible nas estatísticas de desumanização legitimadas pelo Estado por meio da militarização da segurança, do sucateamento da educação pública, do sucateamento do Sistema Único de Saúde.