A palavra “milícia” chegou a nós quase inalterada, vinda direto da Roma Antiga, onde se escrevia “militia” e significava, simplesmente, exército, ou forças armadas. Tanto é que ela serve de raiz para o adjetivo “militar”. Na origem, portanto, miliciano é o exato sinônimo de militar. A marchinha carnavalesca que tenho ouvido muito pelas ruas - “doutor, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano” -, portanto, não tem nada de surpreendente. Ninguém ignorava que o capitão fosse um capitão.
Claro que o sentido das palavras mudou pacas entre os tempos de Júlio César e os de Jair. No seu uso mais moderno, “milícia” deixou de ser exatamente a mesma coisa que “exército”, apesar de haver muito em comum entre as duas palavras: ambas designam um contingente de soldados armados. Só que “exército” é quando o soldo dessa turma é pago pelo Estado, enquanto “milícia” geralmente se refere a um exército privado. O uso mais comum da palavra é para designar grupos de autodefesa dos cidadãos: como por exemplo quando os moradores de uma certa região, sem poder contar com a defesa estatal, se juntam e se armam para se proteger juntos.
E é por isso que acho que não dá mais para usar essa palavra para dar nome à tentacular organização que parece ter infiltrado todo o Estado do Rio de Janeiro, e muito mais Brasil afora, e que tem relação com um monte de crimes, inclusive a execução da vereadora Marielle Franco. Essa organização com certeza é algo muito maior e mais sinistro do que aquilo que aparece descrito no dicionário, no verbete “milícia”. Numa coluna recente, sugeri que a palavra certa seja “máfia”.