O antropólogo norte-americano Clifford Geertz, em artigo intitulado o “Anti anti-relativismo”, afirmou não existir melhor tarefa para um estudioso do que tratar de destruir medos (alheios e próprios). E ele mesmo selecionou um: o medo do “relativismo cultural”. Esperto, explicou que não pretendia defender “a coisa em si” — a atitude de “relativizar” ou de colocar em questão qualquer verdade ou teoria assentada. Queria mesmo era criticar “o pavor que existe em torno do conceito”. Não se tratava, portanto, de advogar por qualquer relativismo, mas de combater as categorias de acusação que têm rodeado o conceito: “o subjetivismo, o niilismo, a incoerência, o maquiavelismo na condução política, a ignorância ética”, e assim por diante.
O artigo, publicado originalmente em 1984, continua absolutamente atual. Andamos precisando de uma boa dose de relativismo, para que consigamos novamente descobrir valor no que é diverso, sentido no que não nos diz diretamente respeito, e graça no jogo da democracia que sempre implicou conviver com a diferença. Foi com o discurso dos relativismos que atacamos os racismos e encontramos espaço, força e lugar para idealizar vários ativismos: os feminismos e os movimentos de gênero e sexo. Também foi erguendo a bandeira dos relativismos que lutamos pela utopia de um mundo mais plural e variado.
Pois bem. Se seguirmos a hipótese de Geertz, é possível dizer que temos visto tomar forma um mundo ferozmente antirrelativista. Um mundo que vê na diferença um adversário a ser, se possível, eliminado, e na igualdade (e na mesmice) um bom espelho para se reconhecer e admirar. Nessa era repleta de certezas e ódios consolidados, a dúvida, a vontade de ouvir, passa a ser sinal de fraqueza ou até mesmo de incoerência. É por isso que o antídoto do anti-antirrelativismo ainda funciona, mesmo que mais de 30 anos depois. Sem defender todo e qualquer relativismo (pois há limites para a nossa compreensão), vale a pena argumentar a favor de uma postura mais aberta e inclusiva de ser e estar nesta vida.