Planejei minuciosamente onde queria estar no momento da apuração. Chegamos ao Samba na Serrinha, edição Heróis da Liberdade, em homenagem ao compositor Silas de Oliveira, às 19 horas. O resultado das eleições estava estampado nos rostos. Entre lágrimas, testas franzidas, abraços e rebolados, as pessoas digeriam a vitória de Jair Bolsonaro. Ultraconservador, o presidente eleito do Partido Social Liberal defende ideias como inferioridade de mulheres e negros, desumanização de pessoas trans, defesa da família heteronormativa, classificação das políticas de ações afirmativas como “coitadismo”. A ressonância de tais propostas, confirmada nas urnas, explica-se por um cenário de crise econômica, aumento da violência e diminuição de verbas para educação, saúde e assistência social, entre outros problemas.
Para mim, foi muito importante viver esses primeiros instantes de ruptura com a democracia na favela da Serrinha, no subúrbio de Madureira, Rio de Janeiro. Terra de Tia Doca, Paulinho da Viola, Paulo da Portela, referências de intelectuais que através da música desenvolveram projetos baseados no associativismo para as comunidades negras. Nesse repasse, lembrei do slogan da campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002: “a esperança venceu o medo”. Ver jovens negros com cabelos, roupas e penteados variados, sorrindo, chorando, dançando e debatendo política nas filas da cerveja, do banheiro e na própria roda foi uma espécie de repaginada da frase. Por mais difícil que seja a situação, estou sentindo esperança, em vez de medo.