O Cais do Valongo, principal porto de entrada de escravizados das Américas, acaba de receber o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Não há qualquer compensação financeira, mas a distinção define o Valongo, localizado na região portuária do Rio de Janeiro, como um “lugar de memória”, ao lado de outros, como o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, ou a cidade de Hiroshima, no Japão. Todos esses locais trazem em comum o registro indelével do sofrimento humano, e se transformaram em espaços para lembrar e nunca mais esquecer.
Gostaria, porém, de me deter no caso brasileiro, e no acerto da eleição desse lugar feito de dor e muita persistência. O Brasil recebeu mais de 4 milhões de africanos, durante os (quase) quatro séculos em que foi vigente o regime escravocrata no país. Tal número equivale a um pouco menos do que a metade da população que deixou seu continente de origem, forçadamente, e àqueles que lograram chegar vivos nas Américas, depois de uma viagem repleta de contrariedades. Desse número absoluto, aproximadamente 60% aportaram no Rio de Janeiro, e cerca de um milhão deles entraram no território pelo Cais do Valongo.
Inaugurado em 1811, o cais logo se converteu no principal ponto de desembarque de africanos escravizados das três Américas. Localizado a poucos passos do Palácio Real, não era raro aos monarcas brasileiros ver os africanos, apressadamente desembarcados, sendo separados de suas famílias, limpos, vestidos, pesados, tendo seus corpos untados com óleo de baleia (que encobria as feridas), e marcados a ferro. Já os compradores não se faziam de rogados: apalpavam, verificavam músculos, inspecionavam os corpos. Alguns chegavam a passar a língua “na mercadoria”, para avaliar se o vendedor “esperto” não lhes havia raspado a barba e tentado, assim, esconder a idade. Mulheres também eram examinadas como “produtos” e “objetos sexuais”: seios, órgão genitais, dentes, tudo era “verificado”, e em público